Governo do presidente Lula pretende pautar regulação das redes e da inteligência artificial no G-20, diz reportagem

O secretário de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant. Foto: Reprodução

Na presidência temporária do G-20, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) incluiu o debate sobre desinformação online como uma das frentes de discussão do fórum que reúne as principais economias do mundo. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o secretário de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant, afirmou que a agenda sobre a ”integridade da informação” também passará por conversas sobre discurso de ódio e regulação das plataformas.

”As plataformas não têm incentivos hoje para responder a esses problemas por si próprias. Você passa a ter um problema que precisa ser tratado pelos Estados nacionais. Trabalhar isso no âmbito do G-20 é o lugar de os países afirmarem a necessidade de uma atuação que faça frente ao poder global das plataformas”, disse o secretário.

O G-20 tem 13 grupos de trabalho para analisar temas de impacto global, como o desenvolvimento sustentável, a reforma da governança global e o combate à fome, pobreza e desigualdade. Um dos grupos se dedica especificamente a discussões sobre ”Economia Digital”. É lá que ocorre o debate sobre a ”integridade da informação”.

O Brasil já encaminhou quatro perguntas sobre o tema a todos os países do G-20. A ideia dos representantes brasileiros é que os questionamentos sirvam como um guia para as conversas multilaterais. As perguntas abrangem:

– quais são as estratégias e abordagens de governança disponíveis para lidar com a integridade da informação online;

– qual nível de compromisso as plataformas digitais deveriam observar com relação à integridade das informações e à promoção das informações como um bem público;

– que tipo de análise técnica das políticas de combate à desinformação e ao discurso de ódio, bem como do modelo de negócios das plataformas digitais, deveria ser estimulado como forma de fornecer insumos para discussões multilaterais;

– e como os países podem lidar com o desafio dos sistemas de Inteligência Artificial generativa nos ambientes digitais.

Os países integrantes do G-20 encontram-se anualmente para discutir temas econômicos, políticos e sociais. A primeira reunião deste ano será por videoconferência entre 31 de janeiro e 1º de fevereiro. Representantes dos Estados-membros terão ainda outros encontros em Brasília, em abril, em São Luís, em junho, e em Maceió, em setembro. A Cúpula de Líderes está programada para novembro, no Rio.

Na última quarta-feira, 10, o Fórum Econômico Mundial publicou um estudo que indica a desinformação como um dos maiores riscos para o mundo atualmente. No Brasil, Lula tentou sem sucesso aprovar o PL 2630 das Fake News em 2023. Sob pressão das big techs, o governo não conseguiu votos suficientes para passar a proposta na Câmara. Durante as discussões, se chegou a incluir no texto a possibilidade de ter um órgão regulador para decidir o que poderia ser publicado ou não, o que foi duramente criticado.

O projeto de lei que regulamentaria as plataformas pela primeira vez no Brasil teve a urgência aprovada na Câmara, em abril, mas foi retirado da pauta em maio e a discussão ficou adormecida. Lideranças do PT voltaram a pressionar pela aprovação do PL 2630 em dezembro, após um ataque hacker contra a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. O projeto não teria o condão de impedir a invasão do perfil, mas poderia atenuar as consequências.

Leia a entrevista com o secretário de Políticas Digitais, João Brant. A pasta integra a secretaria de Comunicação Social (Secom), do governo.

Por que incluir a ameaça à integridade da informação nas discussões do G-20?

O Brasil está trazendo o tema para o centro da agenda. Nós temos condição de avançar na percepção de que é um problema global grave. Dada a centralidade desse tema, não tem como estar fora do G-20. Precisamos entender se os países têm leituras aproximadas dos impactos negativos que esse problema causa, o que pode unir países tão diferentes quanto Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, China, Índia, África do Sul e tal. A desinformação e o discurso de ódio, (que são) o oposto à integridade da informação, estão promovendo extremismo violento. Além de afetar a democracia, afetam a estabilidade política e econômica dos países. As plataformas não têm incentivos hoje para responder a esses problemas por si próprias. Você passa a ter um problema que precisa ser tratado pelos Estados nacionais. Essas plataformas têm regras globais. Trabalhar isso no âmbito do G-20 é o lugar de os países afirmarem a necessidade de uma atuação que faça frente ao poder global das plataformas.

Qual é o papel do Brasil neste debate?

Pautar este tema, conectar às iniciativas já em curso com o mesmo objetivo e aproximar, tentar avançar em uma agenda global. Um dos caminhos que a gente vê é trabalhar um espaço de produção de evidências sobre este tema, que ajude os líderes globais a tomarem decisões.

As discussões já começaram?

A primeira reunião é em 31 de janeiro e 1º de fevereiro. Estamos fazendo prévias com todos os países do G-20 para ter a percepção deles. Todos disseram que o tema é muito relevante. Alguns com mais temor dos caminhos que isso pode tomar. É evidente que quando você coloca o mundo inteiro, que está em disputas geopolíticas pesadas, em torno de uma mesa, com um problema pesado também, não é fácil. As perguntas já estão apresentadas aos países e, a partir delas, o debate vai se dar.

Qual é o temor?

A preocupação não é com a discussão, é com o rumo. Há preocupações de diferentes ordens, Estados Unidos e China são diferentes. Todos entendem que o Brasil está fazendo uma aposta que vai depender de muita habilidade política para chegar num bom resultado. Não vai se chegar ao final desse período com um instrumento, mas com boas respostas para essas perguntas. Se você sai dali apontando caminhos, você cria um ambiente político internacional para avançar.

O que ameaça a integridade da informação?

Ter um conjunto de informações confiáveis, precisas e disponíveis é chave para a gente exercer nossos direitos e tomar nossas decisões políticas. Viver em um meio em que você não sabe diferenciar o que é verdade ou é mentira é um problema tanto para nossa vida individual quanto para a vida em sociedade. Não deve existir nenhum órgão para dizer sozinho o que é verdade ou mentira, mas isso não deve significar uma licença para mentir.

O governo voltou a debater o PL das Fake News?

O governo está discutindo internamente eventuais ajustes no projeto para que ele possa voltar com força. Depende de algumas decisões e negociações. A oposição é barulhenta. Para conseguir maioria, você precisa conquistar um campo da direita não-bolsonarista. Esse é o esforço que a gente está fazendo.

Por que as empresas são resistentes ao PL das Fake News?

Além da discussão de regras de moderação de conteúdo ou de obrigações a elas no fundo de direitos na moderação de conteúdo, (o projeto) tem temas econômicos envolvidos – pagamentos sobre conteúdos jornalísticos, direitos autorais. Para elas, é um impacto que elas não conseguem mensurar e resistem, não querem arcar com esse ônus.

*por Julia Affonso/Folhapress