A Trica da Censura

Sebastião

RIO – Em 1965, depois do golpe militar de 64 e de uma longa cadeia, escondido em São Paulo esperando meu julgamento pelo Tribunal Militar, com nome e documentos falsos e a policia atrás de mim, só falava com quem conhecia. Antonio Torres, o generoso romancista baiano agora na Academia, trabalhava na agência de propaganda “Piratininga” e me levou à “Magaldi Maia”, de João Carlos Magaldi e Carlito Maia.

De quando em vez eu ia lá para almoçar com eles. Uma manhã encontrei meus queridos amigos na maior dúvida e discussão. Iam lançar em São Paulo um novo programa de televisão com um jovem cantor do Espírito Santo, que tinha meia perna de ferro, quebrada por um trem. Magaldi achava que não deviam esconder a perna quebrada, um charme a mais. Carlito, com seu sorriso bom de Chaplin sem bengala, discordou:

– Sei que o Brasil gosta de maluquices. Também gosto. Mas um roqueiro com perna de ferro não. Vamos esconder essa perna dele. Ele não vai jogar futebol. Vai cantar. E não é com a perna, é com a boca.

E Roberto Carlos estourou com sua “Jovem Guarda”, de perna de ferro escondida. Nunca mostrou. E deu certo. Carlito tinha razão.

FIGUEIREDO

Pabla Alexandra, húngara paranaense da TVE, linda como seu lindo nome soando pseudônimo, na véspera do Natal de 1979 entrou em uma casa de discos ao lado do Cine Roxy, no Rio (Avenida Copacabana) :

– Me dá um long-play do Júlio Iglesias. Quanto é?

– Cr$ 260,00.

Nesse instante, chegou o presidente Figueiredo, com amigos:

– Me dá o último disco do Roberto Carlos. Quanto é?

– Ora, Presidente. Não vamos cobrar um disco do senhor.

Figueiredo pegou o disco, agradeceu, saiu, entrou numa importadora ao lado, escolheu um perfume francês. O dono não quis receber. Figueiredo constrangido insistiu. Não houve jeito de pagar, acabou levando. E Pabla na porta assistindo. O Presidente entrou no carro, ela voltou à casa de discos:

– Cobra ai os Cr$ 260,00 do disco do Júlio Iglesias.

– São Cr$ 265,00.

– Como Cr$ 265,00? Estive aqui há cinco minutos, mandei enrolar, o senhor me disse que eram Cr$ 260,00.

– Ah, minha filha, você não viu? O Presidente esteve aqui, tive que dar de presente um disco do Roberto Carlos, porque eu não ia cobrar dele.

– E eu com isso?

– E você acha que sou eu que vou pagar? Vou cobrar Cr$ 5,00 de cada disco que vender hoje, até completar o preço do presente. Volte amanhã que você já deve comprar de novo por Cr$ 260,00.

Pabla pagou os Cr$ 5,00 da cestinha de Natal de Figueiredo.

ROBERTO CARLOS

Todo brasileiro acaba pagando o preço da gloria de seus presidentes ou de seus ídolos. E se você for contar nos dedos das mãos os ídolos nacionais (Tiradentes, Getulio, Juscelino, Pelé), não vai poder deixar de incluir a trinca Roberto Carlos, João Gilberto, Gilberto Gil.

Por isso espanta e dói ver essa trinca, que podia e devia ser a trinca do bem, transformar-se em trinca do mal, a trinca da censura. Estão agora mais disfarçados, envergonhados, mas sempre gulosos e insaciáveis. Continuam cercando o Congresso Nacional, tentando garantir em lei a censura às biografias, seja em livros, filmes, televisões, revistas, jornais.

Ainda bem que na semana passada o STJ (Superior Tribunal de Justiça) derrotou uma ação de João Gilberto, que tentava tirar das livrarias, confiscar, queimar uma singela biografia dele.

NALINI

A consagradora eleição do desembargador Renato Nalini,presidente da Academia de Letras de São Paulo, para a presidência do Tribunal de Justiça no primeiro turno, com 238 votos contra 76 e 21 do segundo e terceiro colocados, é uma vitoria da Justiça, do Direito e da Cultura.

Mas não só. Foi também mais uma marca da força da presença italiana em São Paulo através de gerações. O presidente anterior era Ivan Sartori. O eleito é Renato Nalini. O vice presidente eleito é Eros Piceli. O segundo mais votado foi Paulo Mascaretti. O terceiro João Carlos Saletti.

Não é um Tribunal. É um Vaticano.

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