Diamantes para Michelle: governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente joias de R$ 16,5 milhões

A marca Chopard é uma das mais famosas e caras. Foto: Reprodução

O governo Jair Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o País colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em 3 milhões de euros, o equivalente a R$ 16,5 milhões. As joias eram um presente do governo da Arábia Saudita para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro Bento Albuquerque, das Minas e Energia, que estivera no Oriente Médio na comitiva do governo Jair Bolsonaro, em outubro de 2021.

Ao saber que as joias foram apreendidas, o ministro retornou à área da alfândega, e tentou usar o cargo para liberar os diamantes. Foi nesse momento que Albuquerque disse que o conjunto de diamantes era um presente do governo da Arábia Saudita para Michelle Bolsonaro. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança, como é de praxe nesse tipo de fiscalização. Mesmo assim, o agente da Receita reteve as joias, porque, no Brasil, é obrigatório declarar à Receita Federal qualquer bem que entre no Brasil que passe de US$ 1 mil.

Nesta sexta-feira, procurado pela reportagem, o ex-ministro admitiu que trouxe para Michelle, mas afirmou que era um pacote fechado e não sabia o que tinha dentro.

A reportagem apurou nos últimos dois meses que houve quatro tentativas frustradas de Bolsonaro de reaver as pedras preciosas, envolvendo três ministérios (Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores) e militares. A última ocorreu quando faltavam apenas três dias para deixar o mandato, em 29 de dezembro. Um funcionário do governo, identificado apenas como ”Jairo”, pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e desembarcou no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. O funcionário argumentava que ”não pode ter nada do [governo] antigo pro próximo, tem que tirar tudo e levar”, conforme relatos colhidos pelo jornal.

A reportagem localizou a solicitação para a FAB levar o chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, 1º sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, que foi para Guarulhos ”para atender demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade e retornará em voo comercial no trecho Guarulhos-SP para Brasília-DF ”.

No dia 28 de dezembro de 2022, o próprio presidente da República enviou um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que os bens fossem destinados à Presidência da República, em atendimento ao ofício 736/2022, da ”Ajudância de Ordem do Gabinete Pessoal do Presidente da República”.

Flagrante

A apreensão ocorreu no dia 26 de outubro de 2021, durante uma fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773 que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, com origem na Arábia Saudita. Após a passagem das malas pelo raio x, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André dos Santos Soeiro, o assessor de Bento Albuquerque. Ao checar o conteúdo de uma mochila, os fiscais se depararam com a escultura de um cavalo de aproximadamente 30 centímetros, dourada, com as patas quebradas. Dentro dela, encontraram ainda o estojo com as joias trazidas para Michelle Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

A única maneira possível de se retirar qualquer item apreendido pela Receita na alfândega – e isso vale para itens com valor superior a US$ 1 mil ou mesmo joias milionárias – é fazer o pagamento do imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de mais 25%, pela tentativa de entrar no País de forma ilegal.

No caso dos Bolsonaro, portanto, a retirada formal e correta das joias apreendidas e estimadas em R$ 16,5 milhões custaria nada menos que R$ 12,375 milhões. Como o pagamento estava fora de cogitação, o que restou foi recorrer aos órgãos próprio governo.

Depois de não conseguir retirar os itens na alfândega do aeroporto, o Ministério de Minas e Energia envolveu outro ministério na tentativa de reaver as joias para o presidente. Desta vez, o MME acionou, em 3 de novembro de 2021, o Ministério de Relações Exteriores. O Itamaraty, então, reforça a pressão sobre a Receita e pede ”providências necessárias para liberação dos bens retidos’.

Por meio de uma ”Nota Executiva”, porém, a Receita volta a negar e informa que o único procedimento a ser adotado é o pagamento da multa e do imposto. O comando da Receita à época também entrou na força-tarefa para liberar as joias. Os servidores da Receita, contudo, que têm estabilidade na função e são funcionários de Estado, resistiram às pressões e fizeram valer a lei.

Joias do tapete vermelho

A marca Chopard é uma das mais famosas e caras do mundo. De origem suíça, foi fundada em 1.860 e costuma ser utilizada nos tapetes vermelhos de Hollywood. O governo brasileiro poderia ter recebido as joias, caso tivessem desembarcado como um presente oficial para o presidente da República e a primeira-dama. Os bens, porém, ficariam para o Estado brasileiro, e não com a família Bolsonaro. Bento Albuquerque confirmou à reportagem que as joias trazidas ao Brasil da Arábia Saudita eram, de fato, um presente para Michelle Bolsonaro.

Albuquerque, porém, afirmou que desconhecia o conteúdo do estojo de joias. Segundo o ex-ministro, os itens passaram pela alfândega saudita e embarcaram no voo comercial, sem que ele e sua comitiva fossem questionados sobre o conteúdo dos presentes. ”Nenhum de nós sabíamos o que que eram aquelas caixas”, disse Albuquerque.

No ato da apreensão dos itens, ao ser questionado pelo agente da Receita Federal, Albuquerque relatou a quem se destinavam os presentes. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né… deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveria ser para o presidente, como dois embrulhos”.

*por Adriana Fernandes/André Borges/Estadão