Resistência a antibióticos já atinge níveis altos em animais como galinhas, porcos e vacas no Brasil

A presença de micróbios resistentes a antibióticos em animais como galinhas, porcos e vacas já alcança níveis altos em diversos países em desenvolvimento, incluindo as regiões Sul e Sudeste do Brasil, revela o primeiro levantamento de grande escala feito sobre o tema. Trata-se de uma ameaça silenciosa —e crescente— tanto para os rebanhos quanto para a saúde de quem consome carne, leite e derivados, já que há cada vez menos antibióticos com ação altamente eficaz à disposição de médicos e veterinários hoje.

O problema está diretamente ligado ao uso excessivo desses medicamentos na criação de animais em larga escala. Os criadores muitas vezes ministram antibióticos a seus bichos não apenas para tratar infecções detectadas, mas também de modo preventivo ou para evitar gastos com medidas higiênicas. Tal como acontece no caso de humanos, o uso constante e frequentemente inadequado de antibióticos acaba levando à multiplicação de bactérias resistentes a eles. É um caso clássico de seleção natural: morrem todos os micróbios vulneráveis ao medicamento, mas uns poucos, dotados de alguma vantagem genética natural, sobrevivem e se multiplicam em seguida.

Como as bactérias trocam genes entre si com grande facilidade, essa resistência tende a se espalhar pela população microbiana. Com o passar do tempo, surgem cepas (variedades) multirresistentes, ou seja, que resistem ao ataque de diversos tipos de antibióticos. ”Existem algumas alternativas [ao emprego excessivo dos remédios], como o uso de vacinas ou de ração com probióticos, que promove a saúde dos animais e ajuda a prevenir o aparecimento de infecções”, explica o farmacêutico português João Pires, pesquisador do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Pires é um dos autores do levantamento, publicado recentemente na revista especializada americana Science.

Pires e seus colegas, liderados por Ramanan Laxminarayan (que também é ligado à Universidade de Princeton, nos EUA), recolheram dados de quase mil estudos pontuais sobre o problema, publicados ao longo das duas últimas décadas. Não é o ideal, já que cada país deveria fazer levantamentos sistemáticos, mas pelo menos ajuda a tirar várias “fotografias” do problema, as quais, juntas, dão certa ideia do todo. ”Os dados são recolhidos em várias fases do processo. Temos dados relativos a animais vivos nas quintas [propriedades rurais], na altura do abate e também temos dados que provêm das amostras de comida, como carne, leite e derivados vendidos em mercados e supermercados”, explica o pesquisador luso.

As análises se concentraram num quarteto de bactérias especialmente perigosas para a saúde humana, entre as quais estão a Escherichia coli (capaz de causar intoxicação alimentar severa, dependendo de sua cepa) e o Staphylococcus aureus, vilão de muitas infecções hospitalares. Os dados revelam que os locais do mundo em desenvolvimento nos quais o problema é mais sério são a China e a Índia, enquanto o Brasil e o Quênia são considerados ”hotspots” (áreas de alerta) emergentes, onde a resistência também tem aumentado de modo preocupante. A situação é pior no caso da carne de frango. Os pesquisadores usaram o índice P50, que corresponde a casos em que 50% dos micróbios são resistentes a antibióticos. Por essa medida, em nível global, os frangos com bactérias P50, que correspondiam a 15% dos animais analisados no ano 2000, passaram a ser mais de 40% do total em 2018. Com informações da Folha de S.Paulo