Jair Bolsonaro (PL) disse a pelo menos três pessoas que aposta em recursos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para reaver o direito de se candidatar novamente à Presidência em 2026. O discurso do ex-presidente, porém, é visto por alguns aliados e por especialistas em direito eleitoral mais como um aceno à militância, para mantê-la acesa, do que como uma esperança real.
As projeções feitas por Bolsonaro também esbarram em dificuldades jurídicas –sobretudo no STF (Supremo Tribunal Federal). O cálculo que Bolsonaro externou a essas pessoas leva em conta o fato de que o TSE terá no ano eleitoral uma composição mais favorável a ele.
O ministro do STF Kassio Nunes Marques presidirá a corte, que terá também André Mendonça em sua composição. Ambos foram indicados por Bolsonaro para as vagas no Supremo. A ministra Cármen Lúcia também deve ser substituída em agosto de 2026 por Dias Toffoli, magistrado visto com bons olhos por aliados do ex-mandatário.
Entre os bolsonaristas mais otimistas, há uma avaliação de que o apoio popular do ex-presidente imporá uma mudança de tom na política e no Judiciário, facilitando uma eventual reviravolta em sua situação. Eles dizem acreditar que mesmo o STF ficará gradualmente mais acuado diante de pressão do Congresso e de parte da sociedade civil, que vêm ampliando críticas aos inquéritos sob relatoria de Alexandre de Moraes.
Outra projeção que circula no meio bolsonarista é a de que até 2026 o próprio PT e o presidente Lula (PT) concluirão que é melhor disputar uma eleição com ele do que com um candidato como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Outro fator de mudança que pode influenciar o cenário político favoravelmente a Bolsonaro, segundo esses aliados, é uma vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.
Uma ala de interlocutores do ex-presidente menos otimista vê com ceticismo uma mudança de cenário político tão expressiva que garanta a ele reversão de sua inelegibilidade. O ex-chefe do Executivo foi condenado pela Justiça Eleitoral em duas ações, ambas em 2023: a primeira pela reunião feita no Palácio da Alvorada com embaixadores para deslegitimar o sistema eleitoral. A segunda, sobre uso do 7 de setembro de 2022 para fazer campanha eleitoral. Pelas regras, sua condenação pela Lei da Ficha Limpa durará até 2030.
A defesa de Bolsonaro recorreu ao Supremo nos dois casos. Ela tem até 2026 para esgotar os recursos na corte. Seu advogado é Tarcísio Vieira, ex-ministro do TSE. Especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Folha traçaram alguns cenários possíveis que beneficiariam o presidente, mas afirmam ser baixa a probabilidade de qualquer um deles.
Um seria a anulação liminar, por algum ministro do STF, das decisões do TSE. Nesse caso, seria necessário o plenário referendar a decisão, o que hoje é visto como hipótese altamente improvável. O recurso do caso dos embaixadores está com Luiz Fux. O segundo ainda não foi distribuído.
Outro cenário diz respeito ao STF julgar os recursos improcedentes e devolver os processos para o TSE, onde as sentenças são executadas. Bolsonaro poderia, em tese, entrar com a chamada ação rescisória. Esse tipo de ação é raro e lista cenários em que o processo já transitado em julgado pode ser rescindido. Por exemplo, quando a decisão for proferida por ”juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente”.
”Existe essa possibilidade, mas ela é muito mais teórica do que fática, honestamente. Por mais que seja um ex-presidente, não vejo a Justiça Eleitoral disposta a esse comportamento, ainda que seja outra composição [do TSE]”, disse Renato Ribeiro, coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
O advogado Alberto Rollo diz acreditar que os caminhos jurídicos para Bolsonaro são mais uma resposta política do que jurídica em si. ”Ele pode reclamar para o papa, para o Trump, para quem quiser, não significa que vá conseguir. Imagino que esse tipo de discurso seja para manter o discurso de que está vivo, perante a militância, de que não aceitou sem reclamar, recorrer”, afirmou.
Outro grande obstáculo para a projeção que Bolsonaro tem feito é o de que ele é investigado em inquéritos no STF que tratam dos casos da tentativa de golpe, da fraude em cartão de vacinação e das joias. Se Bolsonaro for eventualmente condenado na esfera criminal nesses casos, ele perde os direitos políticos a partir do momento em que não couberem mais recursos, ou seja, quando a condenação tiver transitado em julgado, e enquanto ele cumprir a pena.
Assim, só cumprindo, revertendo ou anulando a pena criminal ele poderia ver recuperados seus direitos políticos novamente. Bolsonaro e seus aliados ainda apostam em mobilizações populares para impulsionar uma mudança de cenário no Judiciário a seu favor. Nesta noite de sexta-feira (14), ele foi aplaudido pelo público durante um show de fogos na Festa do Peão de Americana (SP) e, ao lado de Tarcísio, também fez um discurso.
O ex-presidente tem focado uma agenda de campanha para mobilizar apoiadores e demonstrar força política. Após a participação em Americana (SP), passará por cinco cidades em Goiás até o fim do mês. Bolsonaro também já fez duas grandes manifestações a seu favor: uma na avenida Paulista, em São Paulo, em fevereiro, e outra na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, em abril.
Como a Folha mostrou, ele quer replicar esses atos pelo país. A ideia é fazer um por região até o fim do ano. Outra opção apontada seria uma reversão via Congresso, cenário que por ora também enfrenta grande dificuldade. Hoje já há no Senado essa proposta, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro. Aliados dizem que, na Casa, eles têm apoio, mas a dificuldade é colocar para votação —o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é aliado de Lula.
Na Câmara, está em análise na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) um projeto para anistiar presos de 8 de janeiro. A proposta é relatada pelo bolsonarista Rodrigo Valadares (União Brasil-SE). A depender das negociações, a anistia do ex-presidente poderia entrar no projeto, em algum momento.
*por Julia Chaib e Marianna Holanda/Folhapress