Número de famílias que recebem Auxílio Brasil supera emprego formal em metade das cidades

O número de famílias beneficiárias do Auxílio Brasil supera o de empregados com carteira assinada em metade dos municípios do país. Levantamento realizado pela Folha com dados do Ministério da Cidadania e da Secretaria Especial do Trabalho mostra que, de 5.426 cidades analisadas, 2.728 encontram-se nesta situação (50,3%). Os dados se referem ao mês de junho.

O programa é uma das apostas do governo Jair Bolsonaro (PL) para melhorar a popularidade. O presidente, que disputa a reeleição neste ano, está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com especialistas, apesar de a taxa de desemprego ter recuado no país no primeiro semestre de 2022, a queda na renda média do trabalhador e a falta de oportunidades de emprego contribuem para manter muitas famílias dependentes da ajuda do governo.

Entre os municípios de maior porte, um exemplo é Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense. A cidade de 825 mil habitantes fechou o primeiro semestre com 83,2 mil trabalhadores empregados formalmente e 114,4 mil famílias beneficiadas pelo Auxílio Brasil, segundo os balanços oficiais dos dois órgãos federais.

Outro exemplo é Belford Roxo (RJ), cidade de 515 mil habitantes também na Baixada Fluminense. A proporção no município era de três famílias atendidas pelo programa de transferência de renda (67,6 mil) para cada habitante formalmente ocupado (21,2 mil). O fenômeno, porém, é muito mais frequente nas cidades pequenas, uma vez que apenas 65 grandes municípios do país concentram metade dos empregos formais, enquanto abrigam, juntos, um terço da população nacional.

Entre as 326 cidades com 100 mil habitantes ou mais, apenas 48 possuem menos celetistas que famílias beneficiadas (14,7%). A análise mostra que 94% dos municípios da região Nordeste possuem mais beneficiários do que empregados. No Norte, são 82,3%. Nas demais regiões, esses percentuais são bem inferiores: 12,9% no Sul, 28,7% no Centro-Oeste e 30,9% no Sudeste.

O levantamento desconsiderou 144 cidades (2,6% do total) devido à ausência ou inconsistências evidentes nos dados de registrados no Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). No geral, são cidades pequenas, com baixo nível de desenvolvimento e todas localizadas em estados do Norte e Nordeste, ou seja, com perfil semelhante àquelas com mais auxílios que postos formais.

Paralelamente, o levantamento reforça que a situação é mais comum entre as cidades com menor IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). O número de empregados é menor que o de famílias beneficiadas em 99,7% das cidades com o índice considerado baixo –isto é, inferior a 0,55 na escala, que vai de 0 a 1.

É o caso de Breves, no Pará. Com um IDHM de 0,503, a cidade conta com uma população de 104 mil habitantes, mas os dados registram apenas 2.793 trabalhadores formais. Em junho, o número de famílias atendidas pelo Auxílio Brasil foi de 20.570. No outro extremo, entre as cidades com o índice considerado muito alto (acima de 0,8), não há nenhuma em que o número de trabalhadores ocupados formalmente seja menor do que o de famílias beneficiadas.

“Esses números não surpreendem, pois estão diretamente associados à estrutura econômica dos municípios brasileiros”, avalia Débora Freire, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). A economista explica que a maioria dos municípios de pequeno porte é altamente dependente do setor público, tanto na geração de postos de trabalho quanto na transferência de recursos, seja por meio de programas sociais ou de repasses da União e dos estados para a composição de suas receitas.

Para o economista e professor do Insper Sergio Firpo, como essas cidades têm grandes dificuldades de gerar emprego, ficam à margem do crescimento econômico. Sem geração de renda, os moradores ficam mais dependentes do benefício do que em locais com economia mais ativa. “Os municípios mais pobres no Brasil são aqueles em que há muita gente fora da força de trabalho, ou na informalidade, e pouca gente no setor formal. Não é surpreendente que o número de beneficiários seja maior do que o de trabalhadores formais”.

Para Freire, programas de transferência de renda como o Bolsa Família e o Auxílio Brasil são fundamentais para estimular a economia dessas localidades, mas insuficientes para, sozinhos, alterar significativamente o cenário. “Essas políticas têm a capacidade de fomentar principalmente o comércio e uma série de serviços, e por isso são tão importantes. Mas, até que isso se traduza em maior formalidade e se reflita no mercado de trabalho, não é algo rápido.”

Daniel Duque, economista e pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas), lembra que o fenômeno não acontece apenas na zona rural. “Apesar de a informalidade ser um problema maior em regiões rurais e menos densas, nas grandes cidades das regiões metropolitanas há uma carência muito grande de emprego de qualidade dentro da formalidade.”

Ele afirma que os trabalhadores com baixo nível de rendimento procuram trabalho na metrópole, onde há mais oportunidades, mas não consegue arcar com os custos da moradia nessas regiões. “Esses trabalhadores, muito provavelmente, vão precisar acessar um programa social para complementar a renda”.

BENEFICIÁRIOS SUPERAM TRABALHADORES CLT EM 12 ESTADOS

No agregado por estado, o total de benefícios supera o de empregos com carteira assinada em 12 unidades federativas, todas elas das regiões Norte (Acre, Amazonas, Amapá e Pará) e Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe). São os mesmos estados no comparativo publicado em reportagem da Folha de abril.

Em cinco deles, a concessão de benefícios superou a melhoria das vagas formais. Amazonas, Piauí, Pernambuco, Sergipe e Bahia tiveram mais famílias cadastradas no programa desde então do que novos postos de trabalho criados. Em Alagoas, houve retração no número de empregos. Nos outros seis, o total de famílias atendidas pelo Auxílio cresceu, mas em menor proporção do que o de empregados. Em oito estados, a quantidade de famílias dependentes do Auxílio Brasil caiu em junho, se comparada com fevereiro.

De acordo com o balanço do Ministério da Cidadania, o auxílio, em junho, tinha um tíquete médio de R$ 405,48, considerando os benefícios extraordinários acumulados. Em agosto, as famílias passam a receber parcela mínima de R$ 600. Mas o acréscimo de R$ 200 —previsto para durar até dezembro— chegará defasado aos bolsos dos beneficiados, devido ao aumento da inflação.

Segundo o ministério, 2,2 milhões de famílias foram inscritas no Auxílio Brasil neste mês. Com isso, o benefício passa a contemplar 20,2 milhões de famílias no país. De acordo com os dados da Secretaria do Trabalho, o Brasil fechou o mês de junho com 42 milhões de postos de trabalho formais ocupados, o equivalente a 28% da população em idade economicamente ativa (dos 15 aos 65 anos).

A taxa de desocupação medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no segundo trimestre deste ano foi de 9,3% da população (a menor para o período desde 2015), o equivalente a 10,1 milhões de pessoas. Já o trabalho informal era a realidade de 39,3 milhões de trabalhadores (maior número da série histórica do indicador), o equivalente a uma taxa de informalidade de 40% dos trabalhadores ocupados.

No segundo trimestre, o rendimento habitual do trabalho foi estimado em R$ 2.652, uma queda de 5,1% comparação com o segundo trimestre de 2021. À época, a renda média era de R$ 2.794.

Cristiano Martins, Diana Yukari e Felipe Nunes / Folhapress