Temer é um zumbi que o Brasil precisa mandar logo para o mundo dos mortos. Agora ele vai, pisou no próprio feitiço. Temer só não cairá se as leis fundamentais da política tiverem sido revogadas e se não restar ao país o mais tênue compromisso com a decência. Ao fatiar a denúncia que apresentou ao STF contra ele, o procurador-geral Rodrigo Janot deu-lhe um nó triplo: ainda que a maioria da Câmara perca completamente a vergonha e negue licença ao STF para processá-lo por corrupção passiva, outras duas denúncias terão que ser apreciadas. Uma por obstrução da Justiça, outra por participação em organização criminosa. Mas quanto custaria ao Brasil a travessia desta via crucis que pode consumir todo o resto do ano e talvez até entrar pelo próximo adentro? Para reduzir os danos de uma sangria prolongada é que agora o tempo ritual deve ser aproveitado para a construção de uma saída democrática e politicamente sustentável para a crise em os autores do golpe de 2016 jogaram o país.
Na melhor das hipóteses, Temer será afastado no final de agosto. Se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não permitir chicanas com o regimento e o calendário, no início daquele mês tão marcante para a política nacional a Câmara estará votando o pedido de autorização do STF para processar Temer pelo embolso de uma propina de R$ 500 mil da JBS, em parceria com o preposto Rodrigo Loures. Nessa hora, a mesma maioria que autorizou o impeachment de Dilma (a “assembleia de bandidos”, conforme definição do escritor e jornalista português Miguel Sousa Tavares, que o Brasil democrático adotou) será chamada a repetir as proclamações cínicas da noite de 17 abril de 2016: “voto sim, contra a corrupção, em defesa da Pátria e da família”. Ou serão eles capazes de ir ao microfone dizer não, proclamando a inocência de Temer? Não creio em políticos suicidas. Ainda mais na véspera de um ano eleitoral, e diante de um governo em estado vegetativo.
Se as coisas correrem assim, com a autorização da Câmara sendo concedida em agosto, menos mal. Temer acha que escapa porque tem maioria na Casa e não haveria provas de que seja o verdadeiro destinatário dos R$ 500 mil recebidos por Loures. Dias antes da entrega daquela mala a Loures, a Petrobrás fez um acerto com a JBS sobre o preço do gás fornecido a uma empresa do grupo em Cuiabá. A solução do problema que se arrastava há meses atendeu a um dos reclamos que Joesley Batista apresentou resumidamente a Temer, no encontro no escurinho da garagem do Jaburu,em 7 de março. Temer orientou Joesley a tratar deste e de outros problemas com Loures, qualificando-o como pessoa de sua mais “estrita confiança”. O problema não foi resolvido com o Cade, como queria Joesley, mas diretamente com a Petrobrás. E logo depois, Loures recebeu os R$ 500 mil. Se o destinatário era Temer, a acusação vai ter que demonstrar, mas isso durante o julgamento técnico que será conduzido pelo STF. A decisão da Câmara será, novamente, essencialmente política. Por isso os governistas já tratam de montar uma maioria fiel na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de onde sairá o parecer que será votado em plenário.
A aritmética, entretanto, está muito aquém da gravidade da situação política. No plenário, com transmissão ao vivo, cada deputado terá que mostrar a cara aos 93% dos brasileiros que rejeitam Temer e não acreditam nele. Muito dificilmente a Câmara negará a licença, apesar da maioria que Temer de fato hoje controla, graças a cargos, favores e o temor comum da Lava Jato.
Pensamos porém na situação oposta, que seria uma tragédia nacional. Imaginemos que Temer consiga barrar na Câmara este primeiro pedido de autorização para que o STF dê andamento ao processo por corrupção passiva. Para isso teria que contar com o voto contra ou a ausência de 171 deputados. Não é algo impossível para um governo que já perdeu toda a compostura. Se Temer consegue barrar o pedido de autorização do STF, a primeira denúncia de Janot será arquivada mas em seguida a Câmara terá que apreciar a segunda, por obstrução da Justiça. Esta está quase pronta na PGR, com base das concussões da Polícia Federal. A degravação agora mostra claramente que Temer incentivou o pagamento de mesadas para garantir o silêncio de Cunha e Funaro em suas celas. Mas se esta também cair, virá a terceira, por participação em organização criminosa. E talvez uma quarta, relacionada ao decreto dos portos. Quanto tempo seria consumido em tantas votações? Que país poderia suportar tão elevado grau de incerteza e instabilidade? Que país se manteria de pé diante de tal desmoralização? Definitivamente, o Brasil e os brasileiros não merecem esta sina. É preciso acabar logo com isso.
Temer, agarrado ao cargo e repetindo o mantra “daqui não saio”, está se lixando para o Brasil e para os brasileiros. O negócio dele é prolongar ao máximo a permanência no cargo, embora isso vá custar muitíssimo ao país. É preciso abreviar o sofrimento e conter a sangria. Nada de acordão “com Supremo e tudo”, à moda de Romero Jucá, mas vai se tornando imperativo um acordo nacional, republicano e transparente, envolvendo as forças políticas democráticas, responsáveis e representativas. Aqui entram Fernando Henrique e Lula, entram o PT e o que restou do PSDB, além de partidos menores, da esquerda ou do centro, não comprometidos com a lambança. PSB, PPS, PSOL, Rede etc. Um tal acordo deveria ter como objetivo o encerramento da crise e a verdadeira pacificação, que só virá com a eleição de um presidente pelo povo, e não pela maioria parlamentar. Concedida a autorização pela Câmara, o STF afastaria Temer por 180 dias, inicialmente, como manda a Carta. Rodrigo Maia assumirá a presidência, e quando Temer for afastado definitivamente, segundo a Constituição, teria que convocar uma eleição indireta em 30 dias. O acordo nacional garantiria, nesta hora, a aprovação de emenda constitucional antecipando tanto a eleição presidencial como a do Congresso, pois este aí já foi devorado pela Lava jato. Um acordo assim exige conversa, diálogo, espírito público.
Pedindo a Temer que por amor ao Brasil reduza seu mandato, como fez FH, com endosso de Lula, dará em nada. Temer simplesmente não está preocupado com o país. Tenta apenas esticar seus dias no Jaburu.
*Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País