O presidente Jair Bolsonaro afirmou, em pronunciamento em rede nacional nesta quarta-feira (2), que, neste ano, todos os brasileiros que quiserem serão vacinados, destacou o avanço do PIB (Produto Interno Bruto) e voltou a criticar políticas de isolamento social.
”Neste ano, todos os brasileiros, que assim o desejarem, serão vacinados”, disse. A transmissão em cadeia de rádio e televisão ocorre no momento em que o governo tenta contornar o desgaste causado pela CPI da Covid no Senado e por protestos de rua contra Bolsonaro.
O pronunciamento foi seguido de panelaços em diversas cidades do país, como São Paulo, Recife, Salvador, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Em Brasília, na Asa Norte, houve ainda gritos de ”fora” e ”genocida”.
O mandatário iniciou seu discurso lamentando as mortes pela Covid-19. Mas em seguida voltou a queixar-se das medidas adotadas por governadores e prefeitos.
”O nosso governo não obrigou ninguém a ficar em casa, não fechou o comércio, não fechou igrejas ou escolas e não tirou o sustento de milhões de trabalhadores informais”, afirmou.
Bolsonaro defendeu políticas adotadas por seu governo, como o auxílio emergencial e a destinação de crédito para pequenas empresas. Ele ainda celebrou o crescimento de 1,2% da economia no primeiro trimestre.
”O PIB projetado para 2021 prevê um crescimento da economia superior a 4%. Só no 1º trimestre deste ano, a economia mostrou seu vigor, estando entre os países do mundo que mais cresceram”, declarou.
Em outro trecho, Bolsonaro reafirmou que o país deve sediar neste ano a Copa América. O torneio estava previsto para ocorrer na Colômbia e na Argentina, mas esses países anunciaram que não poderiam recebê-los.
No caso da Argentina, a desistência ocorreu pelo avanço da pandemia no país. A atuação do governo Bolsonaro para que o Brasil recebesse a competição gerou críticas de políticos e especialistas, uma vez que o país registra um dos maiores índices de mortos por Covid no mundo.
”Seguindo o mesmo protocolo da Copa Libertadores e Eliminatórias da Copa do Mundo, aceitamos a realização, no Brasil, da Copa América’, discursou o presidente.
No pronunciamento, Bolsonaro também afirmou que “considera o direto de ir e vir, o direito ao trabalho e o livre exercício de cultos religiosos inegociáveis”. Além das políticas de governadores, o presidente é um crítico da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que autorizou os governos locais a proibir cultos religiosos para evitar a disseminação do vírus.
O pronunciamento de Bolsonaro ocorreu horas após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), prever a vacinação de toda a população adulta do estado (a partir de 18 anos) até o dia 31 de outubro.
Na CPI do Senado, os governistas são minoria. Os principais focos da investigação do colegiado são a demora nas negociações de vacinas, a defesa por Bolsonaro de remédios sem eficácia comprovada para a Covid e a formação de um gabinete de aconselhamento paralelo sobre temas da pandemia.
O governo tem tentado reduzir a pressão política divulgando dados sobre a distribuição de imunizantes. O Ministério da Saúde já havia celebrado, horas antes, que o país ultrapassou a marca de 100 milhões de doses distribuídas.
No entanto, 47,2 milhões das doses enviadas são da Coronavac, imunizante feito em parceria com uma farmacêutica chinesa que Bolsonaro chegou a anunciar que não seria comprada —pressionado, o governo acabou recuando.
Embora o presidente tenha dito no discurso que o Brasil é o quarto país que mais vacina contra a Covid, dados da plataforma Our World in Data mostram que esse número se refere apenas ao total de doses aplicadas. Quando observada a proporção na população, por meio do parâmetro de doses por mil habitantes, o Brasil cai para a 61ª posição.
Em outro flanco de desgaste para o Planalto, milhares de manifestantes em várias cidades do país realizaram protestos contra Bolsonaro sábado (29). Houve atos em todas as 27 capitais brasileiras, com grandes concentrações em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em declarações nesta semana, Bolsonaro minimizou os movimentos de rua.
O governo, por outro lado, celebrou nesta semana o avanço de 1,2% do PIB no primeiro trimestre, anunciado nesta terça (1º).
”Lógico que ninguém está falando que vai crescer 6%, mas a previsão aí é no mínimo 4%, que já é um número bastante grande, levando-se em conta o uso político por causa da pandemia por parte de alguns”, afirmou Bolsonaro.
A transmissão do discurso também ocorre no momento em que Bolsonaro é pressionado por projeções eleitorais. Segundo a última pesquisa Datafolha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece com vantagem para a disputa pelo Palácio do Planalto em 2022.
O petista alcança 41% das intenções de voto no primeiro turno, contra 23% de Bolsonaro. Em um eventual segundo turno contra o atual presidente, Lula levaria ampla vantagem, com uma margem de 55% a 32%. O pronunciamento desta quarta-feira foi o nono de Bolsonaro, em cadeia de rádio e TV, durante a crise sanitária da Covid-19.
Na primeira fala, em 6 de março de 2020, quando ainda não havia morte confirmada no Brasil em decorrência do novo coronavírus, Bolsonaro pediu união e disse que não havia motivo para pânico. ”Seguir rigorosamente as recomendações dos especialistas é a melhor medida de prevenção”, disse o presidente.
O tom de Bolsonaro mudou radicalmente no terceiro pronunciamento, em 24 de março, quando ele citou o uso da cloroquina e chamou a doença de gripezinha. Esta fala ocorreu dias após o presidente participar de ato pró-governo, o que ampliou o desgaste de Bolsonaro com governadores e Luiz Henrique Mandetta, então ministro da Saúde.
Nas declarações seguintes, Bolsonaro se opôs às restrições de circulação de pessoas e ao fechamento do comércio, ações determinadas por prefeitos e governadores para evitar a propagação do vírus.
Na véspera do Natal, o presidente disse, em cadeia nacional, que o governo se esforçou em preservar vidas e empregos. Afirmou ainda que o país se tornou referência para ”seguir o rumo ao progresso e ao desenvolvimento”.
Pressionado pela demora na compra de vacinas, Bolsonaro usou o pronunciamento mais recente, de 23 de março deste ano, para tentar demonstrar que o governo federal se esforçava na busca pelos imunizantes.
Após negar por meses propostas da Pfizer, ele disse em cadeia de rádio e TV que havia pessoalmente solicitado para a empresa antecipar a entrega de 100 milhões de doses.
Bolsonaro ainda declarou que o país se tornaria ”em poucos meses” autossuficiente na produção das doses. ”Muito em breve, retomaremos nossa vida normal”.
*por Ricardo Della Coletta/Mateus Vargas/Natália Cancian/Folhapress