O atendimento ginecológico é essencial para a saúde feminina, porém mulheres lésbicas relatam entraves em consultas médicas por causa de profissionais de saúde despreparados. Há descaso em exames preventivos contra ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e também formas de prevenção, dizem elas.
A engenheira de dados Bruna Gabriela da Silva, 33, enfrentou dificuldades ao buscar atendimento ginecológico por ser mulher lésbica, em São Paulo. Uma médica chegou a questionar sua saúde sexual pelo fato de Silva nunca ter tido relações sexuais com homens, sugerindo que isso dificultaria a coleta do papanicolau no futuro.
A orientação sexual dela foi frequentemente ignorada ou tratada de forma inadequada em consultas, o que a afastou do atendimento médico durante muitos anos. Silva evitou ginecologistas até os 22 anos.
A gestora de RH Marina Tiago, ao buscar atendimento ginecológico em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, foi tratada de forma ríspida por uma médica que se recusou a realizar o exame preventivo, alegando que o hímen intacto, devido à ausência de relações heterossexuais, impedia a coleta.
“Nunca mais voltei e só fui a um ginecologista novamente quando comecei o processo para FIV [fertilização in vitro]”, afirma. Estudos mostram que é um problema não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, onde há pesquisas que especificam que a falta de acesso adequado a cuidados de saúde para mulheres lésbicas é uma realidade persistente.
Uma revisão de uma pesquisa do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Morsani College of Medicine, Universidade do Sul da Flórida, Tampa, Flórida, EUA, analisou 21 levantamentos sobre a realização do teste de papanicolaou (exame preventivo que coleta uma amostra do colo do útero para analisar as células e detectar alterações) entre mulheres de minorias sexuais e mulheres heterossexuais.
Os resultados indicam que especialmente mulheres lésbicas fazem esse acompanhamento com menos frequência do que as heterossexuais. A ginecologista Giulia Cerutti, formada em Medicina pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), atende pacientes LGBTQIA+ e destaca que qualquer pessoa com colo do útero, independentemente da orientação sexual, tem o mesmo risco de desenvolver câncer de colo do útero ou lesões induzidas pelo HPV.
Portanto, todas devem realizar os exames de rastreamento de câncer de colo de útero da mesma forma que as mulheres heterossexuais. “A maior parte do conhecimento sobre a população LGBT vem de esforços individuais, seja em cursos ou estudos após a graduação. Na residência e na graduação, fala-se muito pouco sobre isso”, completa.
A médica ginecologista Carolina Rebello, formada pela USP (Universidade de São Paulo), diz que ao começar a atender pacientes, percebeu que não havia sido ensinada a lidar com pacientes LGBT. Um homem trans marcou o início de sua conscientização sobre a “cegueira institucional” em relação a esses pacientes.
A partir de 2018, ela começou a se aprofundar no tema, reconhecendo que, apesar de não ser uma especialidade formal, a falta de formação e a resistência entre médicos, especialmente os mais conservadores, perpetuam a exclusão no atendimento.
“Acredito que o primeiro passo para começar a preencher esses espaços seja a educação sexual. Em muitas regiões do Brasil, as pessoas ainda não têm acesso nem ao básico em termos de orientação sexual, o que cria grandes barreiras”, relata.
No ano passado, enquanto participava de uma expedição no Barco Hospital Papa Francisco para atender comunidades ribeirinhas no Amazonas, a médica notou a invisibilidade da comunidade LGBT nessas áreas isoladas.
A diversidade sexual é ocultada, principalmente em comunidades em que o casamento e a maternidade precoce são a norma. A médica destaca que a invisibilização de outras sexualidades em comunidades isoladas. “A orientação sexual ainda é um tabu em muitas dessas comunidades.”
Com foco ainda na região norte do país, um estudo financiado pelo governo do estado do Amazonas, explorou acessos relacionados à saúde sexual para mulheres lésbicas em Manaus.
Falta conhecimento sobre prevenção de ISTs, autocuidado e saúde, agravado pela heteronormatividade e estigma. Os resultados destacam a urgência de políticas públicas inclusivas e a capacitação de profissionais para garantir um atendimento mais humanizado às mulheres lésbicas.
A médica Cecille Gribel, com pós-graduação em ginecologia pela UNIRIO, orienta pacientes lésbicas sobre métodos de prevenção de ISTs e cita que nem todo profissional dá uma orientação sobre.
Ela também alerta sobre os riscos de transmissão de doenças, especialmente durante a menstruação e com a troca de dildos, destacando a importância de cuidados adequados, como trocar ou lavar a camisinha entre usos. Gribel cita que o ideal seria existir formas preventivas específicas para mulheres.
A jornalista e pesquisadora de comunicação política e movimentos sociais Ana Júlia Paiva, 33, afirma que para melhorar o atendimento ginecológico a mulheres lésbicas é necessário uma formação específica para ginecologistas, com respeito à orientação sexual das pacientes e informações adequadas sobre saúde sexual, incluindo prevenção em relações entre mulheres.