Mesmo após a divulgação da nota que marcou o recuo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) das ameaças golpistas no 7 de Setembro, o presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu nesta terça-feira (14) devolver ao governo a medida provisória que limita a remoção de conteúdo publicado nas redes sociais. O anúncio deve ser feito durante a sessão.
Inicialmente, Pacheco havia indicado que decidiria na semana passada, mas resolveu adiar seu veredicto. Ele teria pedido uma segunda análise mais robusta da Advocacia do Senado, para evitar questionamentos.
Além disso, a nota divulgada por Bolsonaro teve um impacto importante. Aliados avaliavam que seria o momento de aguardar a devolução, por se tratar de um momento em que o presidente dava um sinal de diminuição da tensão entre os poderes.
Um interlocutor do senador chegou a sugerir que ele aguardasse uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), após a manifestação o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestar pela suspenção da medida provisória.
Pacheco, no entanto, teria avaliado que a manifestação do PGR fortalecia a tendência de que o texto deveria ser devolvido, praticamente eliminando qualquer possibilidade de o gesto ser visto como político e contra o Planalto.
Com essa decisão, Bolsonaro sofre mais uma derrota no Congresso. No fim de agosto, Pacheco rejeitou o pedido de impeachment formalizado pelo presidente contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Assinada por Bolsonaro na véspera dos atos de raiz golpista que ocorreram em 7 de setembro, a MP alterava o Marco Civil da Internet para impedir que as redes sociais decidam sobre a exclusão de contas ou perfis apenas com base nas próprias políticas de uso.
O texto foi publicado em uma edição extra do Diário Oficial da União e criticado por parlamentares e por organizações da sociedade civil.
Nesta segunda (13), o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao STF a suspensão da MP ao se manifestar em uma ação de partidos políticos que contesta a medida provisória.
”A alteração legal repentina do Marco Civil da Internet”, disse Aras, ”com prazo exíguo para adaptação, e previsão de imediata responsabilização pelo descumprimento de seus termos geram insegurança jurídica para as empresas e provedores envolvidos, mormente em matéria com tanta evidência para o convívio social nos dias atuais”.
Aras defendeu que fossem mantidas as disposições que possibilitam a moderação dos provedores do modo como estabelecido na Lei do Marco Civil da Internet, enquanto não fossem debatidas pelo Legislativo as inovações promovidas pela MP de Bolsonaro.
O chefe do Ministério Público destacou que o marco civil, alvo de alterações implementadas pela medida provisória, é dotado de mecanismos direcionados a evitar atuação abusiva de provedores.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também defendeu a devolução da MP. A entidade enviou um parecer jurídico ao Senado e ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF.
A ordem afirma que a medida criava obstáculos à retirada de postagens com notícias falsas e discurso de ódio nas redes sociais e as contas ligadas a esses conteúdos. Além disso, o pedido de inconstitucionalidade afirmava que a MP violava as liberdades de expressão e informação e a livre iniciativa e a livre concorrência.
Desde o início do ano, o governo discute formas de engessar a atuação de empresas como YouTube, Twitter, Facebook e Instagram. Em maio, uma minuta de decreto, tido como ilegal e inconstitucional por advogados consultados pela reportagem, chegou a ser debatido pelo Ministério das Comunicações. A leitura do governo era que o texto deveria ser feito por instrumento legal mais rígido, como a MP.
A Secretaria de Cultura, comandada pelo ator Mario Frias, membro da chamada ala ideológica do governo, encabeçou a elaboração da medida publicada na semana passada.
O texto previa, entre outros pontos, a exigência de ”justa causa e de motivação” para excluir conteúdos, além de cancelar ou suspender as funcionalidades das contas ou perfis mantidos nas redes sociais.
“A medida busca estabelecer balizas para que só provedores de redes sociais de amplo alcance, com mais de 10 milhões de usuários no Brasil, possam realizar a moderação do conteúdo de suas redes sociais de modo que não implique em indevido cerceamento dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros”, afirmou o governo em comunicado
A MP era ainda um aceno à base do presidente. Publicações de Bolsonaro e de seus apoiadores foram excluídas das redes sociais durante a pandemia da Covid-19 por desinformar sobre a doença. Em abril deste ano, o Twitter colocou um aviso de publicação “enganosa” em crítica do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, ao isolamento social.
*Renato Machado/Washington Luiz/Folhapress