Presidente da Câmara, Arthur Lira dribla Lula e Bolsonaro para manter poder do centrão

Lira deu início ainda a uma série de movimentos. Foto: Reprodução

Arthur Lira (PP-AL) fez dois telefonemas na noite de 30 de outubro, assim que a contagem de votos selou o resultado da eleição. Primeiro, ligou para Jair Bolsonaro (PL) e, numa conversa breve, cumprimentou o presidente derrotado. Logo depois, falou com Lula (PT) pela primeira vez na vida.

O presidente da Câmara deu início ainda naquele domingo a uma série de movimentos para preservar seu poder no novo cenário político. Em minutos, Lira reconheceu publicamente o resultado e derrubou qualquer respaldo institucional à investida do aliado Bolsonaro contra as urnas eletrônicas. Ao mesmo tempo, o deputado começou a reposicionar seu grupo político para o futuro governo Lula.

Os primeiros lances de Lira, segundo parlamentares e auxiliares, tiveram o objetivo de unificar o centrão e descolar o bloco da derrota de Bolsonaro, apesar do apoio inconteste à reeleição do presidente. O plano era virar a página rapidamente para manter influência sobre as decisões políticas do país –o que inclui o comando da Câmara e o controle de ferramentas como a distribuição de verbas do Orçamento.

Lira assistiu à apuração do segundo turno com um pequeno grupo de deputados, na residência oficial da presidência da Câmara. De acordo com relatos dos participantes, o presidente da Câmara não comemorou a largada de Bolsonaro na dianteira ou lamentou a virada de Lula, na segunda metade da contagem dos votos. Um dos deputados descreveu o comportamento de Lira como ”muito frio”. Logo após os telefonemas a Lula e Bolsonaro, o presidente da Câmara revisou com aliados a nota em que reconheceria o resultado do segundo turno. Trocou uma camisa polo por terno e gravata e fez um pronunciamento na porta da residência oficial.

Lira foi uma das primeiras autoridades de Brasília (e o primeiro bolsonarista de peso) a se manifestar publicamente sobre a apuração. Ele desenhou um limite em sua aliança com o então presidente ao dizer que a vontade da maioria ”jamais deverá ser contestada”. Alguns aliados de Bolsonaro relataram, nos dias seguintes, que a frase irritou o presidente. A declaração deixou o chefe do Executivo institucionalmente isolado, de saída, para uma conspiração séria contra o resultado das urnas —o que contribuiu para o silêncio subsequente do presidente.

Não houve rompimento por conta do episódio. Lira esteve no Palácio da Alvorada durante o período agudo da reclusão de Bolsonaro. Os dois estiveram juntos por cerca de 30 minutos no dia 8 de novembro. Incomodou ao presidente da Câmara, no entanto, que grupos bolsonaristas tenham passado a tratá-lo como traidor —ainda que Lira tenha se mantido ao lado do presidente mesmo em momentos de crise, engavetando mais de cem pedidos de impeachment.

Na prática, o descolamento de Lira da campanha contra as urnas deixou ao lado de Bolsonaro nessa investida apenas integrantes radicais de sua base. Também deslocou para o PL, partido do presidente, a missão de sustentar as falsas suspeitas de fraude. Quando o chefe do PL, Valdemar Costa Neto, anunciou que acionaria o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para contestar o resultado das urnas, o próprio presidente da Câmara entrou em campo para tentar demovê-lo.

Em 2021, Lira chegou a dar espaço a um movimento de Bolsonaro para atacar a credibilidade das urnas eletrônicas com a proposta de implantação do voto impresso. O presidente da Câmara concordou com a tramitação do projeto e declarou que via com bons olhos a criação de ”uma auditagem, seja lá de que maneira for”. Com a derrota da proposta, Lira deu o assunto por encerrado, mas Bolsonaro jamais abandonou os ataques.

Um aliado de Lira explica o cálculo feito, agora, para distanciar o centrão de ameaças de ruptura: esses políticos têm mais a ganhar num quadro de democracia, com um Congresso forte —o que não seria o caso numa escalada autoritária com Bolsonaro. A opção foi construir um caminho para concentrar poder durante o governo Lula. Lira se apressou para aglutinar o centrão, expandir sua influência e melhorar as condições políticas do grupo. Esse caminho passava necessariamente pela consolidação de uma maioria para reeleger o presidente da Câmara.

Nos dias seguintes à vitória de Lula, os petistas procuraram potenciais aliados para avaliar a disposição e a musculatura de partidos de centro para enfrentar Lira na disputa. União Brasil (59 deputados eleitos) e MDB (42) se mostraram dispostos a embarcar na empreitada. O presidente da Câmara reagiu. Graças à distribuição de verbas sob controle do Congresso, Lira tem influência razoável sobre deputados desses dois partidos. Ele trabalhou para fortalecer dissidências internas e ofereceu uma alternativa aos dirigentes das legendas. Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil de Bolsonaro e presidente licenciado do PP, participou das conversas.

Segundo a lógica da oferta, esses partidos poderiam negociar espaços no próximo governo para fazer parte da base aliada de Lula, mas ganhariam ainda mais benefícios se também apoiassem um presidente da Câmara independente. Teriam, além dos ministérios, espaço em comissões importantes na Câmara e acesso ao dinheiro do Orçamento. Quando Lula e Lira tiveram seu primeiro encontro presencial, no dia 9 de novembro, a conta da reeleição já estava praticamente fechada. A União Brasil sinalizava apoio ao presidente da Câmara, e o MDB aparecia dividido.

Lira antecipou em mais de dois meses a montagem de uma maioria para a eleição na Câmara, que só acontece no início de fevereiro. Ele usou o tempo a seu favor, uma vez que a principal moeda de Lula para expandir sua coalizão (a distribuição de ministérios) ainda deve demorar a ser gasta. A movimentação deixou o PT sem opções. O partido tirou o time de campo nas negociações por uma candidatura alternativa e, naquela reunião de 9 de novembro, Lula deu o sinal de que não entraria em bola dividida.

O apoio oficial do PT a Lira só ocorreria semanas depois. A sigla ainda hesitou porque aderir à reeleição do presidente da Câmara significaria ficar atrás de legendas que chegaram mais cedo ao bloco, como o PL, e teriam mais espaço nas comissões e na direção da Casa.Lira teria uma maioria para se reeleger mesmo sem o apoio do PT e de outros partidos de esquerda. Ele disse a aliados, no entanto, que manteria as portas abertas ao novo governo porque era mais valioso ter um diálogo com o Palácio do Planalto do que trabalhar como adversário do presidente da República.

Com o centrão unido, Lira transferiu a Lula uma dependência antecipada em relação ao presidente da Câmara, que começou a ser exibida nas negociações da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que amplia gastos do governo. Sem maioria no plenário da Casa, os petistas aceitaram a desidratação da proposta e a abertura de uma brecha para garantir o pagamento das emendas de relator ainda nos meses finais da gestão Bolsonaro —cujo crédito político caberá exclusivamente a Lira.

*por Bruno Boghossian, Folhapress