O pastor Arison Aguiar, 42, explica para centenas que acompanham sua live que naquele dia ”sete resgatados” fizeram um teste rápido para detectar se havia substâncias ilícitas no sangue deles. O de um deles, ”o irmão do Salsicha”, que ”chegou dodói” ali, deu alterado. “Orem pelo Paulo, tá?”
Em outra transmissão ao vivo, também pelo Facebook, conhecemos Teta e Porreta, apelido de duas mulheres que tentam superar a dependência química. A primeira que vemos é Teta, que bate um prato entre goles de Tuchaua, refrigerante local de guaraná. Na parede do refeitório, um painel com os dizeres: ”Louvorzão: tudo quanto tem fôlego louvei ao Senhor”.
Mas a estrela, hoje, é Porreta. Arison serve ao público o drama da mulher que está há duas semanas na casa do Resgatando os Cativos, o RC. O líder pentecostal comanda o projeto de recuperação de usuários de drogas em Itacoatiara (AM). E parte fundamental do trabalho, diz, é expor o processo nas redes sociais. Como um reality show
A superexposição de pessoas fragilizadas virou denúncia. Segundo o Ministério Público do estado, dependentes “estariam sendo expostos, indevidamente, em redes sociais”. A investigação preliminar do caso deve ser concluída em breve.
Arison se diz perseguido por órgãos públicos, o que inclui uma visita da Vigilância Sanitária, e continua compartilhando live atrás de live em seus canais. ”Porreta amanheceu mais gata hoje”, ele faz graça sobre a interna que define como uma das moradoras de rua mais antigas da cidade. Ela aparenta estar na meia-idade e, conta o pastor, era uma ”jovem muito bonita” que ”conquistou vários corações nesta cidade”. Infelizmente, ”perdeu para as drogas”.
”Só fumava em cachimbo de ouro”, Arison estende o tom de galhofa. Na sequência, pede uma mãozinha aos espectadores. Porreta precisa comprar peças íntimas. ”Sem falar difícil: calcinha e sutiã.” Alguém promete R$ 50. A amiga Teta a abraça. As duas estão na videochamada que a Folha faz para conversar com o pastor sobre o projeto que um dia ele sonha transformar em comunidade terapêutica. Por ora, o que chama de “casa de apoio” funciona unicamente com base em doações.
Aguiar tem uma planilha, que exibe em lives, para as contribuições financeiras. Também mantém grupos no WhatsApp em que separa colaboradores de diferentes faixas de repasse, partindo dos R$ 20 mensais. O líder evangélico conta que, em abril, o custo chegou a R$ 43 mil para pagar equipe e manter três espaços: um sítio e outros dois imóveis, um para mulheres e outro para homens.
A reportagem entrou no grupo que reúne os doadores mais generosos, o Colaboradores RC (R$ 50), com telefones de norte a sul do país. Uma integrante manda uma montagem com recado motivacional e vários “boa noites” que flutuam sobre fundos de corações e flores. Outros enviam prints de transferências bancárias.
O celeiro virtual do RC vai bem. ”Depois que explodiu na internet, cerca de dois anos atrás, foram 159 internos, todos gratuitos. Temos cerca de 45 meninos limpos, serenos e reintegrados à sociedade.”. São quatro perfis dedicados ao RC no Facebook, que juntos têm mais de 1 milhão de seguidores. As lives mais recentes amealharam até 5.000 curtidas cada.
Aguiar diz que, antes da rede social mudar regras internas, conseguia monetizar a página —renda que, segundo ele, ia toda para o programa. Em outra rede, o Instagram, administra uma conta coalhada de fotos de ”antes e depois” de gente que passou por ali. Arley, que se autointitula Lenda do Amazonas, é um exemplo: no primeiro retrato, um sorriso desdentado, no mais atual, a dentição em dia.
A semana passada foi agitada no RC. Pastor Arison recebeu a visita de um vereador local e atualizou o perfil com vídeos fresquinhos, da briga entre roomates ao ”louvorzão com os resgatados”.
Gravou ainda o desligamento de um interno que, segundo ele, o desrespeitou. O sujeito em questão tapa o rosto enquanto Arison o filma, depois tenta argumentar: “Posso falar, pai? Por favor?”. O pastor diz que não quer mais ouvir.
Muitos dos acolhidos o chamam de pai, e sua esposa, a pastora Nívia, de mãe. O projeto teve um embrião em 2014, Mendigo Também Tem Alma, que lidava com pessoas em situação de rua.
Foram Nívia e a igreja evangélica quem lhe resgatou, conta Arison. “Aos 17 anos, encontrei um rio que atravessou meu deserto.”Filho de pais separados, tinha 8 anos quando conheceu as drogas, na escola. Primeiro cigarro, depois pulou para a maconha, então a pasta base da cocaína. ”Passei a ser adolescente infrator.”
Mais tarde, decidiu que sua missão de vida era ajudar outros que passaram pelo mesmo. ”Mas a igreja onde eu era pastor não me aceitou, lidar com adictos expulsaria fiéis. Diziam: ‘Se chegar morador de rua na igreja, os irmãos vão embora”.
Abriu o RC seis anos atrás. Ali, a internação é voluntária. Quem decide ficar recebe cama, quatro refeições por dia, direito de falar com a família por duas horas na semana e um pacote de regras. Algumas: não pode se drogar e manter relações. É preciso assinar, claro, um termo de consentimento para poder ser exposto nas lives.
O pastor exibe em tempo real o desenrolar das histórias todas. Na segunda (8), Porreta entra em cena novamente. Ela e a colega Juliana avisam que querem sair do programa, e Arison grava sua corrida para tentar convencê-las a ficar.
”Gente, ela tá chorando, aqui na luta, ó”, diz ao lado de Porreta, deitada e medicada com calmante. Em outro cômodo, uma amiga canta gospel para Juliana, que chora e é seguida sem trégua pelo celular. No fim, as duas desistem de ir embora, e o pastor se despede dos seguidores. ”Beijo no coração de vocês, compartilhe esta live, compartilhe o máximo que der”. Com informações do Bahia Notícias