A indicação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF) não chega a ser uma surpresa. O ex-governador do Maranhão e senador licenciado era cotado desde que Ricardo Lewandowski se aposentou em abril e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou o advogado Cristiano Zanin para a vaga. Ex-juiz federal, Dino tem estatura política para estar na Corte e, comparado a outras opções de Lula e de Jair Bolsonaro no passado, também possui arcabouço jurídico para tomar posse. No entanto, essa indicação escancara exatamente a vertente política do Judiciário, algo que a nossa sociedade insiste em negar ou evita debater.
Havia muita expectativa em torno da possibilidade de Lula indicar uma mulher e uma pressão grande para que fosse uma mulher negra. O presidente já tinha dado indicativos que não cederia a pedidos externos e que emplacaria quem quisesse tanto no STF quanto na Procuradoria-Geral da República – a indicação de Paulo Gonet segue a mesma lógica. Dino era uma opção de primeira hora e faz jus ao que Lula dava indícios: preferia ter alguém mais umbilicalmente ligado a ele na Suprema Corte do que uma ilustre desconhecida das relações pessoais com o núcleo principal do Palácio do Planalto. Às cucuias qualquer tentativa de ampliar a representatividade de mulheres no STF. Como Dino se autoclara pardo, pelo menos o critério ”negritude” para representatividade está apresentado.
Ainda falta a sabatina no Senado Federal, mas o fato dele ter uma cadeira na Casa, facilita a articulação de Dino. Ele deve passar sem sobressaltos e até mesmo os bolsonaristas menos ideológicos vão aprová-lo, dado o espírito de corpo tão presente no parlamento. Tal qual todos os últimos indicados, a sabatina é protocolar e deve acontecer antes do recesso, porém após uma semana de “folga”, com a viagem das principais figuras da República para um périplo no Oriente Médio e para a COP28.
De longe, Lula vai acompanhar uma eventual repercussão negativa da indicação de Dino, frente as objeções e aos pedidos para que a vaga deixada por Rosa Weber fosse ocupada por uma pessoa com um perfil semelhante ao da agora ministra aposentada. A comitiva presidencial, inclusive, levou boa parte dos figurões que poderiam ser pressionados sobre o tema. Por isso a escolha do anúncio, pouco antes do embarque, foi providencial e bem pensada.
Com Dino no STF, a Corte deve ser mais politizada ainda. Suposta guardiã da Constituição Federal e das leis brasileiras, a Suprema Corte sempre foi política. Entretanto, há um esforço que ultrapassa gerações para que isso não seja tema de debate. Como ex-deputado federal, ex-governador e quase ex-senador, o maranhense Flávio Dino será o primeiro nos últimos anos a chegar ao STF com o ”estigma” de ter ocupado um cargo eletivo. E poderá fazer mais às claras a política interna e externa da Corte. Pelo menos, é uma expectativa possível a partir do retorno dele para a toga do Judiciário.
A musculatura política de Flávio Dino aumenta a pressão também por certo grau de imparcialidade no julgamento de ações e processos que envolvam aliados que, até aqui, foram parceiros de batalha. Como já foi observado que nem sempre os indicados seguem à risca a cartilha de quem os colocou no STF (vide Dias Tóffoli e Lula e até André Mendonça com o bolsonarismo), Dino terá o desafio extra de se desvencilhar no paletó da política partidária. Quando Flávio Dino vestirá efetivamente a toga não depende apenas da sabatina do Senado, mas também da própria transição para o cargo.