O mal-estar nos tempos do empoderamento da mulher

PriscilaAlmeida

A naturalização dos papéis masculinos e femininos está intimamente relacionada às concepções tradicionais, e ainda atuais, de gênero. Compreendido como categoria, o gênero é um componente ativo das práticas sociais e na nossa sociedade hierarquizando os sexos. Desta maneira, estabelece de um lado com poder o homem forte, racional, ativo e de outro sem ou com o mínimo de poder, mulher sensível, emotiva, passiva. Tal dicotomia é descrita por diversos autores.

Ao colocar a ênfase nesses dois modelos de grande alcance, evidenciamos uma padronização. Assim, há uma falsa impressão de que as mulheres são todas iguais e assumem o modelo feminino. E os homens, também, se tornam todos iguais por assumirem o modelo masculino. Deixamos de lado todas as singularidades que envolvem a vida de cada sujeito.

As relações de gênero geram condições quase sempre desfavoráveis às mulheres. Ainda hoje temos uma educação sexista nas escolas, na família e na religião, e isso leva diretamente a questões nas relações de trabalho, onde se mantêm níveis diferentes de participação, remuneração, distribuição de poder e controle.

O acesso das mulheres, sem dúvida, está ampliado, mas não é igualitariamente distribuído. As várias atribuições conquistadas pelas mulheres são maiores que o alcance social. A grande maioria, além do trabalho, realiza as tarefas do lar, que não são computadas como potencial produtivo, já que fazem parte do rol das tarefas ditas “de mulher”.

A cidadania foi construída em bases excludentes a certos grupos sociais, como as mulheres, o que era justificado por sua suposta inaptidão ao exercício da cidadania e da coisa pública. Essa forma de ver a mulher vem sofrendo uma série de abalos decorrentes dos avanços das conquistas femininas com a inserção da mulher em espaços considerados “masculinos”.

 

É possível relacionar o empoderamento

das mulheres e uma crise da masculinidade?

 

De fato, historicamente a mulher foi colocada no lugar de auxiliar, aquela que está para ajudar o marido, esposar. E o grande presente que esta recebia era o nome do cônjuge e o filho ou filha, fruto da relação. O homem tinha uma pequena ideia do que a mulher esperava dele. Mas e agora? As mulheres estão em todos os espaços, boa parte domina a cena financeira do lar e para ter filho já não precisa do marido. Estaria o homem pronto para assumir novos papéis na sociedade, nas relações, nas suas vidas?

A dificuldade do homem em compreender a mulher é facilmente observável em qualquer conversa entre amigos. A mulher tem sempre seu tom de mistério. Ela não apresenta um conjunto de aspectos rígidos que a definem como bela, recatada e do lar, e isto impede que se constitua uma classe de mulheres. As mulheres são únicas. Não existindo uma classe das mulheres, a relação entre um elemento do conjunto masculino e um elemento do conjunto feminino não pode ser estabelecida, ou seja, não pode ser escrita.

Mas será que podemos mesmo falar em masculino para homem e feminino para mulher? Se pensamos o gênero como relação de poder, não. Homens e mulheres assumem diariamente posições masculinas e femininas. Desta forma, ao falarmos de empoderamento feminino dizemos que ela está assumindo uma posição masculina. Já que há uma predeterminação de que masculino equivale ao poder, ao ativo e feminino a uma atitude passiva.

Latente em nossa cultura, é visível uma dificuldade em lidar com essas mulheres que assumem posições fortes e que lutam por espaços cada vez maiores e melhores de convivência social. Vemos em nossa sociedade uma onda de conservadorismo e agressividade crescente diante da angústia de não saber o que fazer, uma forma primária e insuficiente de lidar com o novo.

Diante da cena contemporânea e do discurso capitalista, onde vivemos o crescimento do individualismo, excesso tecnológico, crise do Estado, aumento da violência fica evidente o mal-estar social. O mal-estar aponta para um processo de angustia que possibilita movimentar os sujeitos envolvidos a um amadurecimento dos seus ideais e convicções. Vamos para frente! Para refletir mais sobre o tema, confira o vídeo (Super homem, a canção /Gilberto Gil)

Priscila Almeida é psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito.