Em fevereiro, às vésperas do feriado de Carnaval, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou quatro decretos para flexibilizar ainda mais as regras de aquisição, registro e porte de armas no país.
Havia a expectativa de que as normas fossem barradas pelo Senado ou pelo Supremo Tribunal Federal, mas como não foram, elas entram em vigor nesta terça-feira (13).
Os atos publicados por Bolsonaro excluem itens da lista de produtos controlados pelo Exército, como máquinas e prensas para recarga de munições, carregadores e miras telescópicas, e permitem que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização.
Além disso, possibilitam que atiradores portem armas municiadas em qualquer trajeto —liberando, na prática, um porte que só a lei poderia autorizar.
Os decretos também aumentam de quatro para seis o limite de armas de fogo de uso permitido que um cidadão pode comprar. E, nos casos de determinadas categorias, como policiais, magistrados, membros do Ministério Público e agentes prisionais, há ainda a autorização para a compra de duas armas de uso restrito.
Também preveem a possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica, exigido por lei, por um “atestado de habitualidade” emitido por clubes de tiro —que se beneficiam do aumento no número de membros.
Os decretos ainda retiram qualquer controle de itinerário do porte de arma de atiradores desportivos, caçadores e colecionadores (CACs), além de autorizar o porte em todo território nacional e de até duas armas simultaneamente.
As medidas foram duramente criticadas por especialistas e entidades como o Instituto Igarapé, o Sou da Paz e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que alegam que as novas regras atrapalham a fiscalização. A oposição reagiu e apresentou projetos de decretos legislativos para suspender os efeitos dos decretos presidenciais.
Na última quinta-feira (8), no entanto, a ação de um aliado do governo retardou a apreciação das propostas no Senado, que estavam pautadas para a sessão deliberativa.
O STF também poderia impedir o efeito dos decretos votando alguma das cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que questionam os atos e estão com julgamentos parados ou com pedido de vista.
Segundo dados do Exército e da Polícia Federal, existem hoje mais de 1,2 milhão de armas em poder de cidadãos, o que representa um aumento de 65% com relação ao final de 2018.
Desde sua posse, o presidente já editou 31 atos, entre decretos, portarias e dois projetos de lei que vão na contramão das evidências que mostram a importância do controle de armas e munições na redução da violência e da criminalidade.
Veja abaixo quais medidas estão em vigor, quais precisam de aprovação do Congresso e quais foram derrubadas ou modificadas.
Decretos e portarias revogadas:
Decreto 9.685 (de 15/01/2019): Do presidente Bolsonaro, facilitava a posse de armas, ao ampliar o rol de justificativas para “efetiva necessidade” de ter o armamento
Decreto 9.785 (de 07/05/2019): Do presidente Bolsonaro, facilitava o porte de armas para uma série de profissões, incluindo advogados e políticos; permitia a compra de armas com grande poder lesivo e que menores de 18 anos praticassem aulas de tiro só com a autorização de um dos responsáveis
Decreto 9.797 (de 21/05/2019): Do presidente Bolsonaro, em recuo, o novo decreto proibiu que cidadãos comuns portassem fuzis, carabinas ou espingardas. Foi também estabelecida a idade mínima de 14 anos para a prática de tiro esportivo e a necessidade da autorização de ambos os pais, em vez de apenas um
Decreto 9.844 (de 25/06/2019): Do presidente Bolsonaro, regulamentava lei, flexibilizando a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição
Decreto 9.720 ( de 01/03/2020): Do presidente Bolsonaro, alterava o Decreto No. 9.493, de 5 de setembro de 2018, que aprova o novo Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (novo R-105), ampliando o prazo para sua adoção
Decreto 9.898 (de 02/07/2019): Do presidente Bolsonaro, alterava novamente o Decreto No. 9.493, que aprova o novo Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (novo R-105), ampliando ainda mais o prazo para sua adoção
Portaria 125 (de 22/10/2019): Assinada pelo Comando Logístico do Exército (COLOG), na prática, inseria a restrição de armas portáteis de alma raiada de uso restrito
Portaria 46 (de 18/03/2020): Do COLOG, estabelecia o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados (SisNaR), que auxiliaria no controle de armas e foi revogada por Bolsonaro
Portaria 60 (de 15/04/2020): Do COLOG, definia dispositivos de segurança e de identificação das armas de fogo em todo o país, exportadas e importadas, mas foi revogada por Bolsonaro
Portaria 61 (de 15/04/2020): Do COLOG, regularia a marcação de embalagens e cartuchos de munição no território nacional, mas foi revogada por Bolsonaro
Portaria 1.634 (de 22/04/2020): Do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Ministério da Defesa, aumentaria o limite de munições, que passaria a ser de 50 munições por mês (limite anual aumenta de 200 para 600). Foi suspensa por decisão da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo em 10 de junho de 2020
Resolução (de 08/12/2020): Do Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior do Ministério da Economia, zerava a alíquota de importação para revólveres e pistolas. Foi suspensa pela liminar do Ministro Fachin em 11 de dezembro de 2020 (ADPF 772)
Decretos e portarias em vigor:
Decreto 9.845 (de 25/06/2019): Do presidente Bolsonaro, dispõe sobre a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição. Foi escrito após críticas sobre os primeiros decretos de armas assinados pelo Planalto
Decreto 9.846 (de 25/06/2019): Do presidente Bolsonaro, estabelece regras e procedimentos para o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores. Foi escrito após críticas sobre os primeiros decretos de armas assinados pelo Planalto
Decreto 9.847 (de 25/06/2019): Do presidente Bolsonaro, dispõe sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas
Decreto 10.030 (de 30/09/2019): Do presidente Bolsonaro, novo Regulamento de Produtos Controlados
Portaria 1.222 (de 12/08/2019): Do Comando do Exército, dispõe sobre parâmetros de aferição e listagem de calibres nominais de armas de fogo e das munições de uso permitido e restrito
Portaria 126 (de 22/10/2019): Do COLOG, revoga a portaria 036 -DMB, de 1999, sobre comércio de armas; revoga a portaria 01 D-Log, 2006; revoga a portaria 021 COLOG, 2009; e dispõe sobre a aquisição, o registro, o cadastro, a transferência, o porte e o transporte de arma de fogo; e a aquisição de munições e de acessórios de arma de fogo por militares do Exército, em serviço ativo ou na inatividade
Portaria 136 (de 08/11/2019): Do COLOG, revoga a portaria 125; artigos 11 e 12 modificam as características das armas que CACs podem possuir. A revogação da portaria 125 acaba com a restrição de armas portáteis de alma raiada de uso restrito. Ficam restritas apenas as armas de uso proibido, automáticas e não portáteis. Na prática, fuzis (arma portátil, de alma raiada, que pode ser de repetição, semi ou automática), na versão repetição ou semi-automática, estão liberados para caçadores e atiradores
Portaria 137 (de 08/11/2019): Do COLOG, altera a portaria 126, especificamente sobre aquisição por militares do Exército (ativos e inativos)
Portaria 412 (de 27/01/2020): Do Ministério da Justiça e da Defesa, aumenta limite anual de munições que podem ser adquiridas de 50 por arma registrada para 200
Portaria 150 (de 05/12/2019): Do COLOG, dispõe sobre normatização administrativa de atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça (incluindo permissão para porte de arma curta municiada para os colecionadores, os atiradores e os caçadores sempre que estiverem em deslocamento para treinamento ou participação em competições; para abate autorizado de fauna, etc., e permissão para tiro desportivo para adolescentes de 14 a 18 anos mediante autorização de responsáveis legais)
Portaria 62 (de 17/04/2020): Do COLOG, revoga as portarias 46, 60 e 61
Portaria 389 (de 13/07/2020): Do Ministério da Justila, define o tipo de arma de porte semi automática para uso da Força Nacional, e os critérios técnicos mínimos para aquisição e emprego, incluindo medidas que melhoravam a marcação dessas armas, o que ajuda no controle de armas
Portaria 423 (de 22/07/2020): Do Ministério da Justiça, altera a Portaria 389 e retira as exigências de marcação interna e da chipagem das armas
Projetos que aguardam aval do Congresso:
Projeto de Lei 3723/2019 (de 26/06/2019): Aprovado pela Câmara dos Deputados em 5 de novembro de 2019. Acordo possibilitou que o projeto fosse reduzido a mudanças na regulação dos CACs. Versão aprovada na Câmara prevê fim da marcação das munições das forças de segurança pública. Aguardando Apreciação pelo Senado Federal
Projeto de Lei 6438/2019 (de 12/12/2019): Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e define crimes. Aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e na Comissão de Segurança Pública; e aguardando parecer do relator na Comissão de Relações Exteriores
Decretos assinados por Bolsonaro em 13 de fevereiro, que entram em vigor nesta terça (13):
Decreto 10.627: Afasta a fiscalização do Exército sobre a venda e o uso de máquinas de recarga de munição e seus projéteis, viabilizando, assim, que as pessoas produzam a sua própria munição, sem qualquer controle de quantidade e sem a possibilidade do seu rastreio
Decreto 10.628: Aumentou para cidadãos comuns a possibilidade de adquirir até seis armas de fogo de uso permitido (com o Decreto 9.845/19 era de quatro o limite)
Decreto 10.629: Passa a aceitar que caçadores, colecionadores e atiradores comprovem aptidão psicológica com laudo elaborado por qualquer psicológico com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia (antes se exigia psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado).Também afasta a necessidade de autorização do Comando do Exército para a compra de armas nos limites estabelecidos (60 armas para atiradores, 30 para caçadores e 10 para colecionadores). Permite ainda que menores a partir de 14 anos usem arma de fogo cedida por qualquer outro desportista para praticar tiro esportivo
Decreto 10.630: O porte de arma passa a ter validade em todo o território nacional e ser sem ”caráter excepcional”. Agora, o porte também abrange até duas armas de fogo simultaneamente com respectivas munições e acessórios