Pressionado pelo avanço da Covid-19 e críticas sobre a omissão do governo federal na distribuição de vacinas, o presidente Jair Bolsonaro mudou radicalmente sua conduta e usou máscara em evento no Palácio do Planalto nesta quarta-feira, 10, no qual sancionou um projeto para facilitar a compra de mais vacinas. Desde o começo da pandemia, Bolsonaro tem minimizado a doença, desestimulado o uso da proteção e o distanciamento social e rejeitado propostas de compra de imunizantes.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) também mudou o tom e pediu aos seus seguidores para compartilhar nas redes sociais uma foto de seu pai com a frase: ”Nossa arma é a vacina”. O filho do presidente também disse que nos próximos meses o Brasil vai vacinar ”dezenas de milhões de brasileiros”.
A nova conduta ocorreu horas após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter atacado a gestão do governo no enfrentamento da pandemia. O petista, em seu primeiro pronunciamento após ter as condenações na Lava Jato anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, disse que fará propaganda para a população se vacinar, num movimento oposto ao que Bolsonaro adotou até hoje. Ele recomendou que a população não siga nenhuma ”decisão imbecil do presidente da República ou ministro da Saúde”, além de apoiar governadores que tentam obter vacinas por conta própria.
Em seu discurso, Bolsonaro adotou tom moderado, não fez ataques a governadores e prefeitos e citou de passagem fármacos sem eficácia contra a Covid-19, como a hidroxicloroquina, que se tornou uma aposta do governo durante a crise. O presidente disse que o País terá mais de 400 milhões de vacinas até o fim do ano.
O evento no Planalto marcou a sanção de três leis que tratam da pandemia. Um dos textos (PL 534/2021) autoriza a União a assumir riscos e custos de efeitos adversos das vacinas, medida que destrava a compra dos imunizantes da Pfizer e Janssen. A exigência era um dos entraves do governo federal para os negócios. Além disso, o texto permite que Estados e municípios comprem os imunizantes. A iniciativa privada também pode adquirir as doses, mas deve doar 100% ao Sistema Único de Saúde (SUS) enquanto grupos prioritários são imunizados pela rede pública.
Ao mesmo tempo em que Bolsonaro passou a defender a vacina, o Ministério da Saúde admite que a campanha nacional de imunização pode parar pela escassez dos imunizantes. Em carta enviada à Embaixada da China para tentar a compra de 30 milhões de vacinas, a pasta afirma estar ciente da importância de conter a nova variante da Covid-19 e impedir que o vírus ”se espalhe pelo mundo, recrudescendo a pandemia”.
Vacina da China e ‘jacaré’
O discurso da pasta contrasta com declarações anteriores do presidente. Ele já afirmou que não compraria doses da Coronavac, desenvolvida na China, devido a sua ”origem”. Disse ainda, em dezembro, que a pressa pela chegada dos imunizantes ”não se justifica” e que as farmacêuticas é que deveriam estar interessadas em negociar com o governo. ”Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, quem quer vender (que tem). Se sou vendedor, eu quero apresentar”, disse Bolsonaro em 28 de dezembro.
O imunizante da Pfizer, citado hoje como solução, já foi alvo de desdém do próprio presidente. ”Lá no contrato da Pfizer está bem claro: ‘Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você”, disse Bolsonaro em 17 de dezembro.
Em contraste com discursos anteriores, o presidente ainda evitou críticas a restrições de circulação e lockdowns. Disse que no começo da pandemia essas restrições foram adotadas para que hospitais fossem aparelhados com leitos de UTI e respiradores. ”enhum prefeito, governador, reclamou de falta de recursos para que tivesse, então, hospitais, leitos e UTI e respiradores.”
Em seu discurso, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que as medidas aprovadas no Congresso possibilitaram a compra da vacina da Pfizer, em referência à cláusula sobre a responsabilidade por efeitos colaterais. Em aceno a Bolsonaro, que por meses criticou as exigências da farmacêutica, o general disse que o presidente “pessoalmente” conseguiu adiantar o cronograma de entrega desta vacina em um trimestre. O presidente reuniu-se na segunda-feira, 8, com representantes do laboratório.
”Estamos garantidos para março entre 22 e 25 milhões, podendo chegar a 38 milhões de doses”, disse Pazuello. Ele afirmou que o SUS tem capacidade de vacinar de 1 milhão a 1,5 milhão por dia. Desde 17 de janeiro, quando a imunização começou no País, 8,7 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose, o que representa 4,13% da população do País.
O ministro também afirmou que todas as vacinas compradas com recursos públicos serão distribuídas por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), em um recado a prefeitos e governadores que planejam realizar a compra de vacinas em paralelo ao governo federal.
Projetos
Ao sancionar projetos relacionados à vacinação, Bolsonaro vetou trecho do PL 534/2021 que previa o uso de recursos da União para Estados e municípios comprarem imunizantes. Prefeitos e governadores podem adquirir, mas desde que com dinheiro próprio.
O presidente sancionou ainda projeto com mudanças na MP 1026/2021. O texto permite que vacinas sejam compradas mesmo antes de aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A lei também dá um prazo de sete dias para a agência se manifestar sobre a permissão de uso emergencial de vacinas já autorizadas em outros países, como Estados Unidos, Rússia, Argentina e Índia.
O texto pode beneficiar a entrada no País de vacinas como a Sputnik V e a Covaxin, desenvolvidas na Rússia e Índia, respectivamente, e já adquiridas pelo ministério. A nova regra dá condições para a Anvisa, se preciso, pedir informações e até negar este aval. No mês passado, Bolsonaro vetou um dispositivo que obrigava a agência a conceder o uso emergencial em cinco dias a imunizantes autorizados em outros países.
O terceiro texto assinado por Bolsonaro (PL 2809/2020) prorroga a suspensão da manutenção das metas quantitativas e qualitativas no Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de indicadores que devem ser cumpridos por prestadores de serviço do SUS para que recebam recursos do governo. Como a pandemia alterou o perfil dos serviços mais prestados – cirurgias eletivas foram canceladas em alguns momentos, por exemplo –, o texto suspende a análise destas metas.
Com informações do Estadão Conteúdo