”No fundo do poço”

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Nos fins de 1963, os jornalistas Murilo Marroquim e Benedito Coutinho, então os dois mais antigos repórteres políticos de Brasília, foram chamados à Granja do Torto, uma das residências oficiais do Presidente. João Goulart os esperava à beira da piscina, sozinho.Serviu uísque aos dois:

– Vocês já estiveram na Rússia?

Murilo já, Benedito não.

– Pois se preparem que brevemente iremos a Moscou. Isso é inteiramente confidencial. Só sabem disso eu, o embaixador soviético e, agora, vocês.Vamos construir a hidrelétrica de Sete Quedas (Itaipu).

– Com que recursos, presidente?

– São 12 milhões de quilowatts. Técnicos brasileiros e soviéticos. Três planos quinquenais. Financiamento russo a juros mínimos. Grandes exportações de produtos agrícolas brasileiros para a União Soviética, para facilitar o pagamento. Só os russos têm hoje turbinas para o porte de Sete Quedas. A energia ociosa do Paraguai será comprada por nós. O embaixador soviético me disse que eles não têm interesse em disputar o mercado ocidental. Interessam-lhe obras como a de Assuan, no Egito.

JANGO

Os dois ouviam espantados, Jango sorriu:

– Vocês não acreditam? Tem mais. O plano global inclui a ligação do Amazonas ao Prata. Vamos realizar o velho sonho brasileiro.

Murilo Marroquim interrompeu:

– O plano é maravilhoso, mas o senhor não vai executar. A Rússia não fará uma Assuan na América Latina. Os americanos não vão deixar.

– Somos um país livre, independente. Contarei com as Forças Armadas para resistir a qualquer pressão externa, e com o povo. Vou fazer.

Três meses depois João Goulart era derrubado pelo golpe militar de 1964 a serviço dos Estados Unidos. Itaipu foi feita com dinheiro americano a preços absurdos e juros máximos. Meio século depois, a presidente Dilma confessa que a divida publica explodiu e o Brasil chegou ao fundo do poço.

Por Sebastião Nery