Ministério da Educação exclui única pergunta sobre Enem de consulta do novo ensino médio

Ministro Camilo Santana. Fotos: Luis Fortes/MEC

O MEC (Ministério da Educação) abriu na segunda-feira (24) uma consulta online sobre a reforma do ensino médio que tinha uma pergunta sobre o Enem. Nesta quinta (27), porém, a questão sobre o exame sumiu do levantamento.

Congelar mudanças antes previstas no Enem para adequá-lo ao novo formato da etapa foi a maior consequência da decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de suspender o cronograma de implementação da reforma.

Em uma primeira versão da consulta pública, a décima pergunta falava sobre a reestruturação da prova e pedia concordância, ou não, à afirmativa de que o Enem deveria ser organizado apenas a partir da parte comum do currículo do ensino médio. O item constava no questionário ao menos até a tarde da quarta (26), mas no início da noite do dia seguinte foi suprimido.

A reforma dividiu as aulas do ensino médio em duas partes: uma é comum para todos os alunos, com disciplinas como português e matemática, enquanto a outra é formada por optativas, os chamados itinerários formativos —divididos em cinco áreas: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e educação profissional.

Ou seja, o tópico sobre o Enem na consulta aberta questionava se o exame deveria ter como base todas as aulas ou apenas a parte comum a todos os estudantes.

O cronograma definido no governo Jair Bolsonaro (PL) previa que a partir de 2024 o Enem fosse adequado para ter provas específicas para cada itinerário. No mês passado, porém, a gestão Lula suspendeu a implementação e cancelou temporariamente as mudanças na prova.

Assim, a retirada da pergunta sobre o causou estranhamento entre técnicos do MEC consultados pela reportagem por causa da centralidade do Enem nesta discussão. A consulta mantém apenas um item sobre instrumentos de avaliação da etapa.

Questionado, a pasta diz que trabalha para complementar e ampliar a abordagem da consulta, ”agregando novas perguntas de opinião e reestruturando a temática do Enem”. Não explicou, no entanto, por que o item foi suprimido.

Em 9 de março, o governo oficializou a consulta pública sobre a reforma, mas somente nesta semana disponibilizou o questionário na plataforma Participa + Brasil. Ela pode ser acessada aqui.

O ministro da Educação, Camilo Santana, e o presidente Lula têm insistido que não haverá revogação da reforma, o que exigiria atuação do Congresso. O governo defende que há ajustes necessários a serem feitos e que analisará os resultados da consulta para decisões finais.

Especialistas e técnicos do MEC criticam o modelo da consulta e afirmam que ele é confuso ao abordar em um mesmo item afirmações sobre diferentes problemas.

Na prática, o MEC está fazendo uma consulta equivalente ao que foram as pesquisas do governo Michel Temer [que implementou a reforma]. É reiterativa, não tem nenhum base científica ou participativa que demonstre uma reflexão efetiva sobre a política”, diz o professor da USP Daniel Cara, membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e que defende a revogação.

Segundo Cara, crítico do modelo desde o governo Temer, o MEC de Lula tenta legitimar uma reforma que seria ilegítima e insustentável. ”Uma reforma tem de ter elemento curricular, de infraestrutura e de prática pedagógica. A infraestrutura não existe para implementar, a questão pedagógica é equivocada e os elementos curriculares estão estapafúrdios, com disciplinas sem nenhum tipo de coerência”.

Na consulta, a população pode concordar ou discordar de afirmações sobre determinados pontos da reforma. Uma das perguntas, por exemplo, fala em aumentar para 70% a carga horária da etapa destinada à formação comum.

Também há uma questão que aponta para a definição de que disciplinas como sociologia, filosofia, história, geografia, química e física voltem a aparecer como obrigatórias na legislação.

A implementação da reforma nos estados tem registrado uma série de problemas, com queixas de perda de aulas de disciplinas tradicionais com o novo modelo. Há casos de conteúdos desconectados do currículo e falta de opções de itinerário para os estudantes.

A QUESTÃO SUPRIMIDA DA CONSULTA

As transformações no Ensino Médio exigiram também uma reestruturação do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem. Essa é uma dimensão muito complexa da política porque impacta diretamente a equidade e a justiça no acesso ao ensino superior. Considerando que se trata de uma avaliação nacional, é importante que os conteúdos, habilidades e competências avaliadas tenham uma referência comum. Nesse sentido, é importante que:

  • A Matriz de Avaliação do Enem seja organizada a partir do que está estabelecido na Base Nacional Comum Curricular para a Formação Geral Básica, já que os itinerários formativos apresentam elevada heterogeneidade.
  • Processos experimentais de avaliação das aprendizagens relativas aos itinerários possam ser realizadas no âmbito do Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb

O sistema possibilita que os participantes concordem ou discordem dessas proposições. Também há um espaço para comentários gerais.

O governo pretende chegar a 100 mil estudantes por meio do aplicativo WhatsApp. As consultas à população, segundo o MEC, é ”uma das muitas outras ações previstas para diálogo com a sociedade”,  a fim de subsidiar tomadas de decisões sobre o ensino médio. ”Também estão previstas audiências públicas regionais, ciclo de webinários e seminários, consulta online, grupos focais, oficinas, pesquisa e seminários”.

 

Paulo Saldaña/Folhapress