O Pequeno Príncipe, o maior hospital exclusivamente pediátrico do Brasil, em Curitiba (PR), registrou na segunda (7) 22 internações de crianças e adolescentes por Covid-19, 7 delas na UTI. É o maior número desde o início da pandemia.
Embora a proporção de internações e mortes infantojuvenis no país em relação ao público geral se mantenha estável desde o início da pandemia (corresponde a 1,5% das hospitalizações e a 0,33% das mortes), o aumento do número absoluto de hospitalizações tem chamado atenção e aberto discussões sobre a imunização desse grupo etário.
Nos Estados Unidos e Israel já estão sendo vacinados jovens entre 12 e 15 anos. No Reino Unido e na Suíça, a aprovação o uso foi mais recente, há cerca de uma semana, e a imunização ainda não começou. Em todos os casos, trata-se da vacina da Pfizer/BioNTech.
Segundo o infectologista Francisco Ivanildo Oliveira, gerente médico do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo, a tendência é que o país passe a ver mais casos em crianças e jovens conforme a vacinação avançar nos grupos mais velhos, o que já aconteceu nos EUA e no Reino Unido.
Para o infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, o aumento das hospitalizações e mortes em crianças reflete o crescimento da doença em todas as faixas etárias. ”São 1.500 mortes, tem muita criança morrendo, mas continuam representando 0,3% do total de óbitos”.
Ele defende que crianças e adolescentes com comorbidades tenham prioridade entre os jovens. ”Temos um grupo de pacientes jovens transplantados, oncológicos, diabéticos que vão precisar ser vacinados mais cedo. Quem tem mais risco: um adulto jovem de 30 anos saudável ou uma criança de 12 anos cardiopata ou diabética?”, questiona Kfouri.
Segundo o infectologista, os dados mostram que metade dos jovens mortos por Covid tinha comorbidades. ”Os extremos, os menores de um ano e os de 18 e 19 anos, são maiores [reúnem as maiores taxas] do que o resto. Prematuridade e obesidade na adolescência estão entre os fatores de risco”.
No Hospital Pequeno Príncipe, a maioria das crianças e adolescentes internados tinha ao menos uma comorbidade, segundo o pediatra Victor Horácio de Souza Costa Junior. ”São crianças com doenças neurológicas, renais, diabéticas, cardiopatas. Chama atenção o fato de que essas crianças estão sendo contaminadas em casa. Elas não estavam indo para a escola”, diz.
A instituição registrou 84 internações por Covid-19 entre março e dezembro de 2020, com cinco mortes. Neste ano, foram 125 hospitalizações, com seis mortes.
Kfouri lembra que a bula da vacina da Pfizer licenciada no Brasil já recomenda a vacinação a partir dos 16 anos. Em seis estados e o Distrito Federal a vacinação está disponível a partir de 18 anos para quem tem comorbidades.
”Tem gente com 16 anos com doença crônica questionando: se tem vacina licenciada no Brasil, com recomendação em bula, por que o programa [de imunização] não me coloca?”, diz Kfouri
“Esperamos que a vacina chegue para esse grupo. No início da pandemia a gente não tinha a visão de que a criança obesa era um grupo de risco tão importante. Entre as comorbidades, a obesidade chama muito a atenção como fator complicador”, reforça o pediatra Costa Júnior, do Pequeno Príncipe.
Em paralelo, há uma outra discussão em curso: a segurança da vacina para os mais jovens. Há registros de efeitos colaterais como casos de mioperiocardite, especialmente em homens entre 16 e 24 anos.
”É necessário avaliar com muito cuidado o impacto das crianças na transmissão da doença, além da gravidade clínica dos casos de Covid em crianças e adolescentes, para definir com base no risco versus benefício a extensão da vacinação para as faixas etárias mais jovens”, afirma o infectologista Francisco Ivanildo Oliveira, do Sabará.
Para ele, a decisão é mais complexa do que a de vacinar adultos, idosos e profissionais de saúde, entre outros, grupos em que a relação risco e benefício é amplamente favorável ao uso da vacina.
Kfouri tem a mesma opinião em relação à vacinação indiscriminada de crianças e adolescentes sem fatores de risco para a Covid. ”Tem que pesar o que é tolerável de evento adverso e de risco. Se tem uma trombose ou uma miocardite para cada 100 mil doses aplicadas em idosos ou adultos com mais riscos, a mesma frequência de evento adverso não pode ser tolerada em criança, cuja chance de morrer de Covid é muito rara. O risco da vacina pode ser maior que o benefício”.
Outra questão levantada pelos especialistas é que crianças e adolescentes infectados podem apresentar comprometimento cardíaco após a infecção por Covid-19, assim como ocorre com os adultos
”A gente tem orientado os pais a repetir o eletrocardiograma de duas a três semanas após o término da fase aguda da doença para poder liberar para as atividades físicas”, diz Costa Júnior.
*por Cláudia Collucci/Folhapress