Recomendados pelo Ministério da Saúde e pelo presidente Jair Bolsonaro no tratamento da Covid-19, mesmo sem comprovação científica, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e nitazoxanida podem causar reações adversas a longo prazo, afirmam cientistas. De acordo com reportagem do jornal Estado de S. Paulo, estudiosos acreditam que doenças como supergonorreia, causada por resistência bacteriana, podem aparecer.
Quando utilizados para tratar doenças para as quais são indicados, esses medicamentos têm ocorrências raras. Entretanto, tomá-los sem indicação médica e ignorando as funções previstas na bula pode causar tontura, dor de cabeça, aumento da pressão arterial, taquicardia, alterações gastrointestinais e outros efeitos.
O Ministério da Saúde, por meio do aplicativo TrateCov, estimula médicos a prescreverem os produtos – cloroquina e antibiótico para bebês, também, apesar do o ministro Eduardo Pazuello negar o fato.
De acordo com a consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Ana Cristina Gales, ”a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina foi um tratamento suspenso por causar arritmia, efeito colateral que é um risco para pacientes com doença cardiológica e estava sendo dado justamente para uma população com fator de risco. A gente não sabe dos impactos do uso estendido por semanas e até meses, porque os estudos foram feitos para uso por período curto. Da ivermectina, por exemplo, sabemos que ela se acumula no pulmão, mas a gente não sabe o efeito em longo prazo”.
O risco para quem trata outras doenças também pode ser mais elevado, alerta Ekaterini Simões Goudouris, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia.
”Tem de desconstruir a ideia de que se não fizer bem, mal não faz. Se os benefícios não estão estabelecidos, não justifica submeter a um risco, mas, infelizmente, vários médicos estão fazendo prescrição e há pessoas se automedicando. Tem gente usando esses remédios toda semana para prevenir covid. Usam durante dois, três meses e não se dão conta da interação medicamentosa”, afirma.
Em 2020, a procura pelos medicamentos citados aumentou consideravelmente. Ao todo, foram registradas 9,2 milhões de buscas por ivermectina, 3,5 milhões por azitromicina e 2,7 milhões por hidroxicloroquina. A alta foi de 1.201,49%, 53,58% e 2.826,82% para cada um dos respectivos remédios. Os amebicidas, que englobam a notazoxanida, tiveram aumento de 100,3% no faturamento no ano passado.
Infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Maria Cláudia Stockler reforça quais tratamentos são eficazes contra a Covid-19. ”O que a gente sabe de tratamento para covid? Dexametasona para quem precisa de oxigênio suplementar. O remdesivir tem impacto para pacientes graves, mas é muito caro. Todo o resto não é nada. Em sites americanos e europeus, não há recomedação para usar azitromicina, hidroxicloroquina e ivermectina”, diz.
Em testes realizados pela Coalizão Covid-19 no Brasil, reunindo hospitais e institutos de pesquisa, ivermectina, azitromicina e hidroxicloroquina não apresentaram eficácia.
”No primeiro deles, em pacientes hospitalizados com covid-19 de gravidade moderada, verificamos que hidroxicloroquina ou azitromicina são incapazes de melhorar a evolução clínica dos pacientes. Nos grupos que receberam hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina, houve aumento no risco de alterações de exames laboratoriais refletindo lesão do fígado e alterações do eletrocardiograma que podem predispor a arritmias cardíacas”, revela o superintendente de pesquisa do HCor e membro do grupo, Alexandre Biasi.
”O segundo estudo avaliou o efeito da azitromicina em pacientes hospitalizados com formas mais graves de covid-19. Verificamos que não havia efeito algum da azitromicina para estes pacientes” completa. Os estudos com ivermectina e nitazoxanida não foram realizados, mas Biasi diz que o que se tem até agora não é base para sustentar indicação desses medicamentos.
”Alguns dados disponíveis de estudos no Irã, no Egito e na Índia sugerem potencial benefício, mas não há como avaliar conclusivamente os resultados, porque ainda não estão publicados. A nitazoxanida também tem sido estudada por ter efeito in vitro. Mas ainda se desconhece o real benefício nas infecções pelo Sars-CoV-2. Estudo brasileiro sugere redução modesta da carga viral nos pacientes que receberam a medicação, porém não houve efeito nos sintomas”, diz ele.
O uso em larga escala de antibióticos pode causar resistência bacteriana. Pesquisadores das universidades Complutense de Madrid (UCM) e de Barcelona (UB), divulgaram em julho do ano passado estudo que mostrou bactérias capazes de apresentar resistência até 10 mil vezes maior do que se conhece até agora. Segundo Blasi, a azitromicina pode sofrer com esse processo.
Entre essas doenças, está inclusa a ”supergonorreia”, variante da gonorreia resistente a antibióticos que vem preocupando autoridades de saúde e servindo de lembrete para a prática de sexo seguro.