Pálido, os olhos tristes e a alma cansada, Getúlio Vargas desceu em Belo Horizonte, na tarde de 12 de agosto de 1954, a convite do solidário governador Juscelino Kubitschek, para inaugurar a siderúrgica Mannesman. O Rio pegava fogo com o inquérito da Aeronáutica (a “Republica do Galeão”) contra os que tentaram matar Lacerda.
Liderados pelos comunistas e udenistas, nós estudantes, com lenços amarrados na boca, impedimos que Vargas atravessasse a cidade pela Avenida Afonso Pena, sendo o cortejo presidencial obrigado a seguir pela Avenida Paraná e tomar a Avenida Amazonas até a Cidade Industrial.
No palanque, ao lado do governador e dos colegas jornalistas, vi bem suas mãos tremulas mas a voz forte. Vargas deu seu recado aos inimigos:
-Advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz.
Da inauguração, Getúlio foi direto para o palácio das Mangabeiras. Não conseguiu dormir, segundo confessou depois a Juscelino. Depois do café da manhã, antes de voltar para o Rio, de pé, sorrindo discretamente, com seu indefectível charuto, ao lado de JK, Getúlio nos cumprimentou, um a um, e disse algumas palavras aos poucos jornalistas ali presentes.
Eu era o mais novo, fiquei na ponta. Achei sua mão gordinha e fria:
-É muito jovem. De que Estado você é?
-Da Bahia, presidente. De Jaguaquara.
-Onde fica?
-Entre Salvador e Ilhéus, perto de Jequié.
Ele parou, pensou um pouco:
-Jequié, Jequié. Conheci o jovem prefeito de lá. Conversamos, me deixou uma boa impressão. É um rapaz de futuro.
-É o Lomanto, presidente.
-Pois é, um rapaz de futuro.
Despediu-se com seu discreto e distante sorriso e a mão gordinha e fria.
Por Sebastião Nery