A articulação política do governo entrou em estado de alerta vermelho para barrar a votação pelo plenário da Câmara de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pode retirar mais R$ 4 bilhões do caixa do Tesouro Nacional por ano, segundo apurou o Estadão/Broadcast. Em doze anos, o impacto é estimado em R$ 43 bilhões.
Para uma fonte da área econômica, trata-se de uma “bomba fiscal” incluída de última hora nas chamadas ”votações do fim do mundo”, quando deputados e senadores votam propostas com grande impacto nas contas públicas às vésperas das festas de fim de ano.
A PEC aumenta em 1% o repasse de recursos para os prefeitos via o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), de forma escalonada. Atualmente, de 49% da arrecadação total do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), 22,5 pontos porcentuais são direcionados aos municípios por meio do FPM. A proposta prevê que a parcela aumente para 23,5 pontos porcentuais, subindo o repasse global de 49% para 50% da arrecadação.
No primeiro ano, o impacto seria de R$ 1 bilhão para os cofres federais; o valor subiria para R$ 1,2 bilhão no segundo ano e passaria a ser R$ 4 bilhões do terceiro ano em diante.
O texto já foi aprovado no Senado e em primeiro turno pelos deputados. Ou seja, se aprovada nesta votação, a PEC é promulgada. Neste caso, não há possibilidade de vetos pelo presidente da República.
A proposta entrou na pauta de votação da Câmara desta segunda-feira, mas depois de pressão do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiou a votação para amanhã, 22. Ao Estadão, Maia disse que foi o deputado Julio César (PSD-PI), da base de apoio ao governo Jair Bolsonaro, que pediu a inclusão na pauta da proposta.
”O governo tem que ter responsabilidade sobre as coisas, segurei 12 meses”, disse. Ele afirmou que não quer que o governo transfira o “ônus” de não aumentar os recursos às prefeituras a ele. ”Estou dando prazo, tempo suficiente para que o governo organize a base. É importante a sociedade saber como cada um vota”.
Maia trabalha para emplacar um sucessor no comando da Câmara. O Palácio do Planalto tem um candidato preferido para o posto, o deputado Arthur Lira (PP-AL), um dos principais líderes do Centrão.
Durante a sessão, Maia chegou a discutir com o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR). Durante a análise de requerimentos relativos ao projeto que trata do pagamento por serviços ambientais, Barros subiu ao plenário e pediu a intervenção de Maia para não votar a PEC. “Então vota contra, ué. Aí eu sou obrigado a segurar tudo?”, respondeu Maia, fora do microfone. A conversa acabou sendo captada pela transmissão da sessão. ”Aí o presidente (Bolsonaro) vai e diz que os prefeitos estão contra mim”, completou Maia na conversa com Barros. O líder do governo saiu da mesa na sequência afirmando que iria ”trabalhar”.
Maia defendeu a votação da PEC dos municípios. De acordo com ele, a proposta foi aprovada em primeiro turno no plenário no ano passado e não é uma surpresa. ”Não foram cinco sessões de espera, foram 12 meses de espera. Eu tenho certeza que ninguém vai dizer que a colocação da PEC na pauta significa qualquer surpresa a qualquer parlamentar na Casa.”
Para uma fonte da área econômica que acompanha as negociações, a aprovação da PEC contribui ainda mais para deterioração das contas públicas, com efeitos nos juros básicos, que precisarão ser elevados, e comprometendo a retomada da economia e a geração de emprego.
Para barrar a votação, a articulação do governo tem destacado que a União já arcou com o impacto financeiro das medidas de combate à pandemia. Como mostrou o Estadão, a maioria dos novos prefeitos eleitos nas eleições municipais vai herdar um caixa mais cheio de dinheiro no dia primeiro de janeiro de 2021. Durante a pandemia da covid-19, o repasse feito pelo governo federal para os municípios superou em R$ 24 bilhões o impacto da calamidade sobre as contas públicas. O socorro compensou a perda de receitas e o que os prefeitos de fato gastaram no combate da doença de janeiro até agosto, segundo os dados mais atualizados.
A avaliação do governo é que o texto vai na direção contrária da situação atual das contas públicas das prefeituras, já que foi a União que arcou com o impacto financeiro das medidas de combate à pandemia. Após uma série de medidas que garantiram suporte financeiro, os municípios devem encerrar 2020 em uma situação financeira melhor que aquela de 2019, já que além dos recursos recebidos pela União, sua arrecadação já se encontra em patamares superiores aos do ano passado.
Prefeitos querem jogar a conta para União, diz economista-chefe da XP
O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, classificou de ”jabuti” a colocação em pauta a PEC. Para ele, é um “abuso e despropósito” a proposta depois que o governo aumentou os repasses e os municípios estão com gordura em caixa, enquanto a situação das contas públicas do governo federal está fragilizada. ”Ao invés de fazerem a lição de casa, os prefeitos querem jogar conta para União”, disse Caio, lembrando que os municípios precisam concentrar o foco na contenção das despesas com pessoal, o principal problema dos governos municipais.
Para Megale, o Congresso está aproveitando um momento político indefinido para deixar cicatrizes por bastante tempo nas contas do governo. “O que a União já transferiu em 2020 é muito além da queda de receita. Estão com caixa reforçado”, disse. Megale considera que a medida vai na direção contrária do reequilíbrio sustentável das contas do País.
Questionado sobre a posição de Maia de colocar a PEC em votação, Megale respondeu: ”Não sei politicamente o que está acontecendo, possivelmente ele está de acordo com essa demanda”. Do Estadão Conteúdo