Após propor alterações que desidratavam o projeto de renovação do Fundeb, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) fez nesta segunda-feira (20) uma nova rodada de negociações com deputados.
O ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) esteve com parlamentares, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e demostrou que o governo estaria disposto a manter as linhas do projeto em discussão na Casa desde o ano passado.
O governo chegou a se comprometer a ampliar a complementação da União, chegando a 23%, contanto que 5% seja destinado à educação infantil. O projeto da Câmara amplia a complementação da União dos atuais 10% para 20%, de modo escalonado até 2026, e altera o formato de distribuição dos recursos.
Apesar da reunião, ainda não há acordo sobre o projeto. Principalmente porque os parlamentares são contrários à transferência de recursos do Fundeb para o pagamento de escolas privadas, no esquema do voucher-creche que o governo pretende implementar.
No fim de semana, o governo apresentou proposta de alterações no Fundeb que reduz praticamente pela metade o efeito esperado com a reformulação do dispositivo na expansão do gasto mínimo por aluno no país.
Além disso, 346 municípios pobres de sete estados deixariam de receber recursos extras previstos com base no texto já em discussão na Câmara.
O ministro Paulo Guedes (Economia) quer repassar recursos do Fundeb para o Renda Brasil, programa de assistência social que o governo planeja elaborar em substituição ao Bolsa Família.
O Planalto tentou adiar a votação do Fundeb, prevista para esta semana, mas debates sobre o tema tiveram início na Câmara, e parlamentares apostam no início da votação nesta terça-feira (21).
Principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb é responsável por R$ 4 de cada R$ 10 gastos pelas redes públicas de ensino nesta etapa. Sua vigência expira no fim deste ano e desde o ano passado o Congresso se debruça sobre o tema.
O Fundeb reúne parcelas de impostos e recebe uma complementação da União para estados e respectivos municípios que não atingem o valor mínimo a ser gasto por aluno no ano. O complemento federal atual é de 10% —cerca de R$ 16 bilhões no ano.
A ideia apresentada pelo governo reduziria o impacto das mudanças discutidas no Congresso e entre organizações ligadas à educação desde o ano passado.
Pelo texto da relatora, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), o valor mínimo por aluno investido no Brasil passaria de R$ 3.427 para R$ 4.778 em 2026, salto de 39%. Já com a redação do governo, o valor mínimo chegaria, também em 2026, a R$ 4.145, alta de 21%. As projeções são da Consultoria do Orçamento da Câmara com base em valores de 2018.
Especialistas apontam dificuldades para se chegar a um valor mínimo de investimento que garanta qualidade. Isso porque ainda há muita desigualdade na oferta educacional, com escolas sem professores e sem a infraestrutura mínima, e crianças e jovens fora da escola.
Em países com bons resultados educacionais é regra, por exemplo, escolas com ao menos 7 horas de aulas por dia. Essa carga é classificada no Brasil como escola de tempo integral, oferecida a menos de 15% dos alunos do país –a modalidade exige mais recursos.
De acordo com estudo do Movimento Todos Pela Educação, há grande correlação entre um gasto mínimo anual de R$ 4.300 (com valores de 2015) e bons resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Levando em conta os dados de 2015, 46% das redes do país tinham à sua disposição menos do que R$ 4.300 por aluno. O orçamentos da educação pública incluem despesas que vão de manutenção das escolas e salários de professores a transporte e alimentação escolar.
O relatória da deputada Dorinha mantém na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) o formato atual de distribuição dos 10% já garantidos de complementação e, com os recursos extras, prevê a seguinte divisão: 7,5% com base no gasto municipal (o que atinge cidades pobres em estados mais ricos, hoje fora do complementação) e os 2,5% restantes para quem obtenha bons resultados.
Já o texto do governo mantinha os 10% do formato atual e os 2,5% para resultados, mas reduz para de 7,5% para 2,5% os recursos cuja distribuição devem ocorrer com base na realidade de cada município.
Os 5% restantes seriam para o Renda Brasil, em uma modalidade de transferência que atingiria famílias com crianças em idade para educação infantil. O governo pretende investir os recursos num esquema de voucher, em que as famílias receberiam um valor de R$ 250 para usar em creches privadas.
O interesse maior do governo em colocar o Renda Brasil no Fundeb é porque o fundo fica de fora do teto de gastos, regra que limita o aumento de despesas da União.
Com a nova proposta do governo, parlamentares trabalham em novos calculos para chegar a percentuais de distribuição. Essa alteração defendida pelo governo impacta no valor mínimo e também no número de municípios que poderiam ser atendidos com as novas regras.
Atualmente, 1.699 municípios recebem complementação da União. Com o texto em trâmite na Câmara, esse número chegaria a 2.284 em 2026 (uma alta de 34%). Já com a proposta do governo, a complementação chegaria a 1.938 deles (aumento de 14%), e também só em 2026.
Os 346 municípios que deixariam de receber recursos extras estão nos estados de Tocantins, Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Amapá e Rio de Janeiro.
O governo quer ainda que o pagamento de salários não comprometa mais de 70% dos recursos do Fundeb —o texto em disscusão obriga o uso de pelo menos 70% do valor com pagamento de profissionais da educação.
Além disso, o plano do governo pouco conversa com a realidade e obrigaria estados e municípios, que mesmo com o Fundeb já arcam com R$ 8 de cada R$ 10 gastos na educação básica, a aumentar seus orçamento.
Isso porque o pagamento de profissionais ativos consome cerca de 80% do fundo em estados e municípios, segundo estudo da organização D3E. Na regra atual do Fundeb, 60% do Fundeb têm que ser destinado a pagamento de professores.
Com a alta da complementação, é previsto um incremento acumulado de R$ 66,9 bilhões de investimentos da União até 2026, a depender do crescimento econômico.