O governo Jair Bolsonaro (sem partido) reservou para compras de vacina contra a Covid-19 em 2022 um valor 85% menor do que o previsto para 2021. De acordo com o Orçamento do ano que vem apresentado ao Congresso na terça (31), serão R$ 3,9 bilhões para aquisição de imunizantes, contra R$ 27,8 bilhões autorizados para a mesma finalidade neste ano.
Segundo representantes do Ministério da Saúde, o valor será destinado à compra de vacinas da AstraZeneca produzidas com insumos da Fiocruz, além de seringas.
O montante é suficiente para o governo adquirir somente 140 milhões de doses da AstraZeneca, quantidade que não chega nem a cobrir o necessário para uma aplicação em toda a população adulta —o Brasil tem hoje cerca de 160 milhões de pessoas com 18 anos ou mais.
Para justificar a diminuição do valor, membros da pasta afirmam que o cenário da pandemia ainda é incerto e que há possibilidade que parte das doses já adquiridas em 2021 sobrem e possam ser utilizadas no próximo ano. Eles dizem ainda que possíveis novos contratos com outros fornecedores, caso necessários, seriam fechados até dezembro para garantir entregas em 2022.
A definição deve ocorrer conforme surgirem dados de novos estudos sobre aplicação de doses de reforço, apontam —o que pode fazer com que mais recursos também sejam necessários. Ainda segundo o grupo, a previsão de 140 milhões de doses foi calculada com base em uma projeção de entregas da Fiocruz.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que aguarda resultados de estudos em andamento para avaliação da necessidade de vacinas no próximo ano.
Segundo a pasta, “poderá haver adequação das previsões das despesas durante a tramitação do texto no Congresso, bem como suplementações orçamentárias a depender da evolução da pandemia”.
Em mensagem presidencial que acompanhou o projeto do Orçamento, o governo afirmou que está atuando de forma preventiva ao antecipar a previsão da verba. Ponderou ainda que é ”impossível dimensionar situações imprevisíveis que podem demandar atuação imediata do poder público”.
”Os montantes alocados representam reforço nas ações relacionadas ao enfrentamento da Covid-19, em relação aos valores previstos no PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] 2021”, afirmou.
Ao apresentar esse argumento, o governo não menciona que o Orçamento deste ano não previu verba de combate ao coronavírus porque, quando a proposta foi apresentada, em agosto de 2020, o Executivo não considerava a possibilidade de uma segunda onda da pandemia.
Além disso, quando a doença avançou, o governo optou por fazer gastos extraordinários, que não entram no Orçamento. Até este ano, despesas com a compra de imunizantes foram feitas por meio de créditos extraordinários. Esse mecanismo, usado em situações imprevistas e de urgência, deixa a contabilização dos gastos fora das regras fiscais, o que facilita a liberação.
Para 2022, a decisão inicial do governo é que a despesa com vacinas será feita dentro do Orçamento. Isso impacta, por exemplo, a regra do teto —norma que limita o crescimento dos gastos do governo à variação da inflação.
A avaliação do secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, é que não é possível classificar esse gasto, no momento, como algo imprevisível ou urgente. Ele justificou que a vacinação no país já está avançando e o número de mortes pela Covid-19 está caindo.
O secretário afirmou que se esse cenário eventualmente mudar, trazendo de volta a imprevisibilidade, seria possível liberar os créditos extraordinários. No projeto orçamentário para 2022, a aplicação mínima em Saúde pelo governo foi ampliada em R$ 10,7 bilhões. Desse total, o ministério decidiu que R$ 7,1 bilhões serão destinados a ações de combate à pandemia —é neste valor que estão os os R$ 3,9 bilhões para as vacinas.
A título de comparação, o gasto do Ministério da Saúde com enfrentamento da pandemia foi de R$ 70,8 bilhões em 2020 e está previsto em R$ 53,7 bilhões neste ano. A pasta disse que “o enfrentamento da Covid-19 e seus efeitos sobre a saúde pública foi elemento central da proposta orçamentária para 2022”.
De acordo com o secretário do Orçamento Federal, Ariosto Culau, há uma dose de incerteza sobre a vacinação no ano que vem, por exemplo, em relação ao número de imunizantes e à aplicação de reforço.
“O cenário é bastante incerto, o cenário de definição de recursos para a vacina depende da população vacinável. Qual a vacina que vou dar? Tem vacinas de US$ 5 a US$ 15. O Ministério da Saúde adotou premissa que compatibiliza capacidade de financiamento e as demais prioridades. E priorizou de fato o combate à Covid”, disse.
Há duas semanas, Culau havia afirmado que o plano de imunização contra a Covid-19 em 2022, inclusive a proposta de oferecer a terceira dose à população, poderia ficar comprometido se o Congresso não aprovasse a proposta do governo para reduzir os gastos com precatórios (dívidas reconhecidas pela Justiça).
Mesmo sem solução para o problema dos precatórios, o Orçamento de 2022 foi apresentado com a verba de R$ 3,9 bilhões para essa função. Segundo o secretário, foi respeitado o valor solicitado pelo Ministério da Saúde.
Recentemente, a pasta afirmou que pretende concluir a vacinação de toda a população adulta com duas doses —ou com dose única, no caso do imunizante da Janssen— até o fim de outubro deste ano. Ao mesmo tempo, o ministério já prevê a aplicação de novas doses de reforço para idosos acima de 70 anos e imunossuprimidos a partir da segunda quinzena de setembro.
A inclusão de novos grupos deve ser avaliada nos próximos meses, em conjunto com a conclusão de estudos sobre a necessidade de uma possível terceira dose para quem foi vacinado com a Coronavac e com outros imunizantes.
Nos últimos meses, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já vinha colocando como alta a probabilidade de precisar de mais doses para uma nova rodada de vacinação em 2022. O formato da estratégia —se apenas como reforço ou em uma nova campanha— ainda é avaliado.
*por Bernardo Caram, Natália Cancian e Thiago Resende, Folhapress