A população brasileira contabilizada pelo Censo Demográfico 2022 foi de 203,1 milhões, abaixo de dados prévios e estimativas do próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que é o responsável pela contagem dos habitantes.
Para analistas, uma combinação de fatores pode estar por trás da diferença. Um deles é a ausência de uma contagem populacional mais enxuta do que o Censo no meio da década passada, o que teria prejudicado o modelo de estimativas até 2021.
Dificuldades de coleta de dados vistas ao longo do recenseamento de 2022 e até efeitos da pandemia de Covid-19 não captados anteriormente também são apontados como possíveis fatores para a discrepância entre os dados.
Em 2021, a estimativa do IBGE indicava uma população de 213,3 milhões de habitantes no Brasil. Esse número é 10 milhões acima do contabilizado de fato pelo Censo de 2022 (203,1 milhões).
As estimativas feitas em anos sem recenseamento são atualizadas a partir do Censo mais recente. Para calibrá-las, especialistas recomendam uma contagem mais enxuta no meio de cada década. Essa contagem, porém, foi cancelada em 2015 por falta de verba.
”Se houvesse a contagem, você melhoraria as projeções”, diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador aposentado do IBGE. Ele destaca que o dado de população trazido pelo Censo 2022 veio’abaixo do esperado” e também chama atenção para os possíveis reflexos causados pelos adiamentos da pesquisa.
O recenseamento estava previsto inicialmente para 2020, mas foi inviabilizado à época pelas restrições da pandemia. Em 2021, houve novo adiamento, desta vez em razão do corte orçamentário no governo Jair Bolsonaro (PL). ”O adiamento foi muito ruim, porque tivemos uma década com muitos problemas. Tivemos um novo Censo depois de 12 anos. Isso tudo ficou muito prejudicado”, afirma Alves.
Para ele, ainda não existem elementos suficientes para confirmar os motivos de a população recenseada ter ficado abaixo do que era esperado. Segundo o especialista, é preciso aguardar os novos dados do Censo 2022, que devem ser divulgados ao longo dos próximos meses. ”O Censo está aí, não temos condições de fazer outro neste momento. Mas não podemos pegar a ferro e fogo cada número. É preciso analisar outras informações, como registros administrativos”.
As diferenças também aparecem na comparação com uma prévia do Censo divulgada pelo IBGE em dezembro de 2022. Essa prévia indicava uma população de 207,8 milhões no Brasil no ano passado.
O órgão chegou ao número a partir de dados parciais do Censo e de estimativas para as áreas que ainda não haviam sido recenseadas. ”Essa prévia foi feita em dezembro utilizando um modelo estatístico para chegar a um número parcial. Você não tinha todos os elementos para fazer as estimativas”, afirma Alves.
Com orçamento apertado e dificuldades para alcançar parte dos domicílios, o IBGE teve de estender a coleta do Censo 2022 até 2023. Mais de 16 milhões de pessoas foram inseridas na pesquisa neste ano, até maio, segundo o órgão.
”A prévia do Censo foi feita a partir de um modelo, mas, de lá para cá, a gente teve mais cinco meses de coleta. Foram adicionadas informações para recalibrar os dados”, diz o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.
COVID-19
Ele considera que eventuais efeitos da pandemia sobre mortes e decisões de casais de postergar o nascimento de filhos podem explicar a diferença do Censo em relação a estimativas e dados prévios. ”É preciso reforçar o pedido para que, em 2025, o governo libere a nova contagem. Ela é muito importante para os modelos demográficos”, diz.
Imaizumi ainda chama atenção para as dificuldades que o IBGE teve para alcançar parte dos domicílios em 2022, com possíveis reflexos sobre os resultados do recenseamento. Em pesquisas como o Censo, e não só no Brasil, é usada a técnica de imputação em endereços ocupados cujos moradores não participam das entrevistas. Trata-se de uma estimativa.
No Censo 2022, a população imputada foi de quase 8 milhões, o equivalente a 3,92% do total. A contada alcançou 195,1 milhões. No Censo de 2010, a parcela resultante do processo de imputação havia sido de 2,8 milhões, segundo o IBGE. Foi menos de 2% do total à época (190,8 milhões).
Em conversa com jornalistas na segunda-feira (26), o presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo, afirmou que a imputação não chegou a prejudicar o resultado geral do Censo 2022.
”Hoje, a gente tem total certeza de que a população é essa que está colocada, os 203 milhões”, disse. Nesta quarta (28), Azeredo afirmou que a “explicação melhor” para a diferença entre o Censo e os outros dados ainda depende da divulgação de indicadores de migração, fecundidade e mortalidade.
”A gente já esperava diferença, mas não podia imaginar que fosse tão alta. A gente sabia que ia dar uma diferença em relação à população que estava sendo estimada, isso mostra a importância de fazer uma contagem no meio da década”, disse.
Em razão dos problemas na coleta em 2022, é até normal que a imputação tenha crescido neste Censo, segundo Roberto Olinto, pesquisador do FGV Ibre e ex-presidente do IBGE. ”Não me surpreende, mas é uma questão que vai ser levantada, e o IBGE precisa estar pronto para responder”, afirma.
Em janeiro, Olinto chegou a dizer que o Censo vivia uma ”tragédia absoluta” e defendeu uma espécie de ”auditoria” nos dados. Nesta quarta, ele disse que “auditoria” é uma palavra um “pouco forte”, mas que o IBGE e o governo federal precisam garantir a qualidade dos dados, inclusive a partir de avaliações externas.
Olinto também destaca possíveis prejuízos às estimativas populacionais em razão da ausência de uma contagem na década passada. ”ecessário olhar o sistema como um todo para que as pesquisas estatísticas sejam feitas com recursos que garantam a qualidade das séries históricas”, diz.
”É preciso olhar institucionalmente para isso, para o sistema de estatísticas do Brasil. O IBGE está destruído, com pouca gente, precisa ser apoiado”, acrescenta. Para Sérgio Besserman, economista e ex-presidente do IBGE, o dado do Censo abaixo da prévia, divulgada em dezembro do ano passado, era esperado.
“Acontece em todos os censos, sempre houve discrepância na mesma direção, com a queda da taxa de fecundidade mais acentuada do que a tendência mostra”.
Ele defende os resultados do Censo e afirma que as quedas nas taxas de fecundidade estão ligadas ao crescimento do acesso de mulheres a educação e trabalho, tendência observada no mundo todo ao longo dos anos.
O resultado final, no entanto, pode ter sido influenciado por fatores políticos e econômicos da última década no país, segundo o ex-presidente. ”Tivemos período conturbado, com crise econômica e pandemia. Nessas situações de incerteza, os casais optam por postergar um pouco”. *por Leonardo Vieceli/Camila Zarur/Lucas Lacerda/Folhapress