Ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias negou nesta quinta-feira (1º) que tenha cobrado propina de Luiz Paulo Dominguetti Pereira para negociar a compra de vacinas pelo governo Jair Bolsonaro. Dominguetti disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, e repetiu à CPI da Covid no Senado nesta quinta, que recebeu pedido de pagamento de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato de 400 milhões de doses da AstraZeneca. Ele afirma que atuava como representante da empresa Davati Medical Supply.
Em nota divulgada nesta quinta, Dias reconheceu que se encontrou com Dominguetti na noite de 25 de fevereiro, em um restaurante de Brasília, mas afirmou que não tratou de ”propina, pedido de dinheiro, facilitação”. O ex-chefe da área de compras da Saúde disse que não conhecia Dominguetti, e que o vendedor foi levado ao restaurante pelo tenente-coronel do Exército Marcelo Blanco, que havia trabalhado no ministério até 19 de janeiro.
Dias sugere que a denúncia de propina é uma armação e que pode estar sendo usado de ”fantoche para algo”. ”Preciso saber qual a motivação desse senhor para nesse momento vir contar essa história absurda. Quem ele quer atingir ou proteger? Estou sendo usado de fantoche para algo?”, questionou o ex-diretor do Ministério da Saúde.
Dominguetti, que também é policial militar em Minas Gerais, disse à CPI que não deu voz de prisão a Dias, no momento do suposto pedido de propina, pois se tratava de uma situação ”crítica” e que havia um superior hierárquico presente. ”O pedido de propina se concretizou. O pagamento e a evolução do processo, não”, disse o vendedor aos senadores.
Dias afirma que a proposta apresentada pela Davati era ”muito improvável de estar à disposição naquele momento”. A AstraZeneca, em nota, informou que não atua por meio de intermediários. Dias acabou exonerado na última terça-feira (29), depois que a Folha revelou a denúncia de suposto pedido de propina.
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello já havia tentado exonerar Dias em outubro de 2020, mas o ato foi brecado pelo Palácio do Planalto depois de o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), interceder.
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno do caso da Covaxin, quando a Folha revelou no dia 18 de junho o teor do depoimento sigiloso de Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão ”atípica” para liberar a importação da vacina indiana. Desde então, o caso virou prioridade da CPI da Covid.
Nesta quarta-feira, a Folha revelou que emails mostram que o Ministério da Saúde negociou oficialmente venda de vacinas com representantes da Davati. As mensagens da negociação foram trocadas entre Roberto Dias, Herman Cardenas, que aparece como CEO da empresa, e Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador dela.
Em nota, Dias narra que o Departamento de Logística recebeu e-mail de Cristiano Carvalho, que representaria a Davati, em 22 de fevereiro. A proposta de doses da AstraZeneca teria sido enviada no dia 25 do mesmo mês, data do encontro com Dominguetti em restaurante de Brasília.
No dia 26 de fevereiro, segundo Dias, foi agendada uma reunião com Cristiano Carvalho, mas Dominguetti foi ao ministério. ”Registra-se que todos os e-mails trocados foram com Cristiano Carvalho e Herman Cárdenas (dono da Davati) e, que apenas no dia 26/02/2021 o Sr. Herman informou que ‘está encaminhando a proposta de 400.000.000,00 (quatrocentos milhões) de doses da Astrazeneca, como solicitado pelo Sr. Luiz Paulo Dominguetti Pereira’. Sendo esta, a única menção ao nome de Dominguetti”, disse Dias.
Segundo o ex-chefe da área de compras da Saúde, a Davati jamais apresentou documento provando que poderia negociar doses da Astrazeneca. ”Tão descabida era a proposta que não houve prosseguimento por nenhuma área do Ministério”, disse ele. Na leitura de Dias, a empresa buscava uma carta de interesse de compra do governo federal, para se ”cacifar perante as indústrias”.
”Assim, reitero o quão FANTASIOSA é essa estória, pois se existiu algum pedido, oferecimento de propina, EU ROBERTO DIAS DESCONHEÇO!!!! Uma vez que jamais fiz ou faria qualquer tipo de ato que fuja de minha atuação ética e moral!!!”, disse Dias. Ele também questiona a ”reputação” da Davati, e levanta suspeitas de “terceiros interessados” na divulgação da denúncia de suposta propina.
”O fato é que, manifestamente, existem terceiros interessados…”, afirmou Dias, sem entrar em detalhes. O ex-chefe de logística da Saúde ainda nega que fez pressão sobre o servidor Luis Ricardo Miranda para acelerar a importação de doses da vacina indiana Covaxin. ”Acredito que ele tenha se equivocado ou, intencionalmente direcionado a minha pessoa”, afirmou.
O servidor disse à CPI, na semana passada, que Dias era um dos nomes que o pressionavam para adiantar a licença de importação da Covaxin. Membros da CPI da Covid avaliam que a denúncia feita por Dominguetti é grave. Alguns parlamentares acharam que o depoimento dele à CPI foi esclarecedor e confiável.
Outros avaliaram que Dominguetti foi ”plantado” e questionaram áudio apresentado por ele para sugerir que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) estava interessado na compra de vacinas da Davati. O áudio, porém, é de setembro de 2019 e trata de negociação de luvas entre entes privadas, segundo Miranda. O deputado é irmão do servidor Luis Ricardo Miranda, e afirma ter alertado Bolsonaro sobre suspeitas de irregularidades na compra da Covaxin.