Dois dias após anunciar que os profissionais cubanos do programa federal Mais Médicos passarão a receber R$ 2,9 mil, no lugar dos R$ 1,4 mil iniciais, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, de passagem por Salvador, concedeu entrevista ao A TARDE e comentou sobre o programa. Confira os principais trechos da conversa sobre pontos polêmicos da política pública.
O senhor anunciou reajuste no salário dos médicos cubanos do Mais Médicos semana passada, após o abandono de alguns médicos…
Não é bem assim (interrompendo) e também não é um reajuste. O que houve foi o seguinte: há um aumento no valor do que os médicos cubanos receberão. Além da moradia, do transporte, da alimentação, que fica sob responsabilidade das prefeituras, e que pode chegar a R$ 3,5 mil, eles passarão a receber do governo cubano R$ 3 mil líquidos. O que dá por volta de US$ 1.245. Para o governo brasileiro, não muda nada. Nós continuaremos a repassar R$ 10,4 mil para a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Solicitamos à Opas, que negociou com o governo cubano. Nós também sinalizamos ao governo cubano o que queríamos, porque nós já havíamos feito um estudo de custo de vida, particularmente nas grandes cidades – no interior, isso não pegava tanto – que mostrava que o valor que eles estavam recebendo aqui, apesar de ter alimentação e moradia, estava pouco. E é preciso lembrar que eles continuam como funcionários do governo cubano, tendo seu salário, sua carreira, seus direitos previdenciários.
Ministro, ainda que esses médicos sejam cubanos, eles prestam serviços a pacientes brasileiros. Uma das críticas acerca da remuneração menor diz respeito à “transferência de renda” para o governo cubano. Como o senhor reage a essas acusações?
Vamos lá: as críticas partem daqueles que diziam que o Brasil não precisava de mais médicos, que os médicos cubanos não tinham qualidade para nos ajudar. Então, eu que estou desde o começo participando – não como ministro, mas como secretário municipal – fico muito feliz que o debate esteja num outro patamar. Muito interessante constatar isso. Não se questiona mais que nós precisamos de médicos e muito menos a competência dos médicos cubanos, que estão dando um show, nos ajudando. Então, o que é que acaba acontecendo? Existe um regime de cooperação: o governo brasileiro com a Organização Pan-americana de Saúde e o governo de Cuba. O governo de Cuba é autônomo para definir o quanto ele paga para seus funcionários públicos. Eles não são funcionários do governo brasileiro. Aqui no Brasil o que nós fazemos é o pagamento do valor de uma bolsa para a Opas que estabelece um contrato com o governo de Cuba. Inclusive alguns cubanos que não vivem em Cuba, aqueles que se apresentaram, nós contratamos com a bolsa, fizeram o curso, têm tutoria como todo médico do Mais Médicos. Aqueles que vêm pelo governo cubano, o governo faz o pagamento a partir da sua lógica, suas necessidades.
O que o governo cubano faz com o restante do dinheiro?
É uma pergunta que tem que ser feita a eles. Mas o que eles nos dizem? Dizem que o dinheiro ajuda a sustentar o sistema de saúde, a formar médicos. Eles têm uma fila de 42 mil médicos pelo mundo. São 63 países. Recebi a lista de 31 de dezembro. Tem médicos, alguns que não cobram nada, que vão como ajuda humanitária. Então, esse recurso se deu nessa relação.
A insatisfação não teria partido dos próprios médicos cubanos?
Eu vou te perguntar o seguinte: são mais de 7 mil médicos no programa hoje. Quantos saíram? Você sabe? Cinco. Vou te dar uma indicação boa, agora: o José Antônio (Rodrigues Alves, secretário de saúde de Salvador), pergunte quantos médicos pediram demissão, desde que foram contratados o Mais Médicos em agosto? As categorias que têm pleno emprego têm alto turn over (desligamento). Quantos engenheiros foram trabalhar na Arábia Saudita e desistiram, não aguentaram? Uma parte voltou, tinham contrato com a Andrade Gutierrez e voltaram. Diziam apenas: eu não quero ficar. Nós do governo brasileiro não estamos nem um pouco preocupados com essa dimensão. Porque nós respeitamos a liberdade, o direito de ir e vir. Se algum médico cubano ou cubana que faz parte do programa resolver sair, sai. Nós só criamos uma regra para disciplinar isso, que o município avise o âmbito estadual do programa, ele tem um prazo, desliga e pede substituição. O que aquele médico fará é com ele e o país de onde veio. Vou repetir: dos 7,4 mil, saíram cinco. Terão mais? Muito provavelmente, haverá mais. Natural. O turn over dos médicos é muito grande, porque a demanda é muito grande. Porque eles têm mercado. Se o mercado fosse mais homogêneo, mais equilibrado, as ocupações dos postos seriam baixas, mas ainda assim ocorreria. Vão sair mais médicos? Não sei. Mas, se sair, será tudo transparente, para que não haja a desconfiança de que a gente está escondendo médico que não está querendo ficar. Aliás, no Brasil, com imprensa livre, com sistema republicano, ninguém esconde nada.
Mas não foi a saída desses cinco médicos que levou o governo do Brasil a negociar com a Opas o aumento da remuneração?
Não! Desde dezembro tinha havido a negociação – da qual eu não participei. Nem tudo é divulgado, pois existe uma tratativa entre governos. Em dezembro, quando a secretaria finalizou o estudo, ficou claro que em algumas cidades havia problemas. Foi aí que a gente começou todo esse processo de negociação. O ministro (Alexandre) Padilha já tinha feito essa negociação com a Opas. Quando a presidenta Dilma me convidou para ir à delegação em Havana, esse assunto já havia sido conversado com a Opas. Mas, depois que médicos cubanos pediram para sair, ficou isso na imprensa: “Ah, agora aumentou a remuneração por conta disso”. Não é verdade. Agora, para a gente o que importa é o seguinte, a gente usa uma referência: a bolsa do médico residente. O governo paga R$ 2.996 para o residente. Nós trabalhamos com esse valor. Pegamos US$ 1.245 para chegar a isso. Qual é a diferença? Médico residente dá 60 horas e é remuneração bruta, líquido cai para R$ 2,3 mil. Mas nós aproveitamos esse patamar para dizer o seguinte: não dá para o médico que está trabalhando no Brasil ficar com menos que isso. Porque o médico residente não tem alimentação, não tem a moradia. Hoje nós temos uma situação tranquila. O que o médico cubano vai fazer com o dinheiro dele? O que ele quiser. Se ele quiser guardar e levar para a família dele, tudo bem. Se ele quiser comprar roupa, se quiser comprar computador… a vida de cada um, cada um vai decidir. O governo brasileiro não trabalha com nenhum tipo de coerção: eles estão livres, livres. Eles estão passeando. Vamos pegar o exemplo da Ramona (médica cubana que desistiu do programa). Ela saiu em uma sexta de tarde, disse para a prefeitura que ia passear e foi parar em Brasília. O secretário municipal no dia seguinte, ao meio-dia, procurou a delegacia, que é a orientação que a gente dá, porque ela não tinha aparecido, poderia ter acontecido algo com ela. Foi embora? O que eu quero como ministro da Saúde: Opas repõe para não haver prejuízo à população.
Para finalizar, o senhor conhece a situação da Bahia no caso do programa Mais Médicos e de um modo geral?
Olha, eu sou ministro da Saúde há três semanas, tentando me apropriar das informações o mais rapidamente possível. E, como eu já trabalhei no Ministério antes, posso dizer que a Bahia vem avançando muito, em diversas áreas, organizando o sistema. Na questão da oferta do Programa Mais Médicos, houve expansão do Saúde da Família, mas ficavam buracos. A estruturação do sistema de emergência vem melhorando muito. Uma coisa que me chama muito a atenção como positiva na Bahia é a disposição de construir juntos, apesar das divergências partidárias. Isso é uma coisa que não acontece em alguns estados, onde governantes são de partidos diferentes; não ajuda a trabalhar juntos. Todos os meus técnicos dizem que a Bahia é ume estado bom de se trabalhar, tanto a secretaria do estado quanto as de municípios, independentemente de posição partidária. Por exemplo, Salvador: ao invés de ser adversário, é um aliado. A gente já tem tantos problemas que se formos brigar por picuinha partidária, aí é que não vai mesmo. Acho que isso é algo muito importante na Bahia.