Ciências Criminais: O impeachment de Alexandre de Moraes e a necessidade de reforma do sistema processual penal brasileiro

Durante esse mês de agosto, havia planejado produzir textos relacionados as eleições e que possuíssem algum tipo de intersecção com as ciências criminais, já que estamos em um ano eleitoral.

Contudo, ante os recentes eventos, que apontam para a intensificação de um movimento que busca o impeachment do Ministro do STF Alexandre de Moraes, considerei relevante compartilhar minhas preocupações sobre um dos maiores problemas do nosso sistema processual penal.

Todas as acusações que são lançadas ao Ministro do STF dizem respeito a uma possível atuação como investigador, acusador e julgador, circunstância que violaria o chamado sistema acusatório.

Os estudiosos do processo penal consideram que existem dois grandes sistemas predominantes: o inquisitivo, no qual a função de acusar e julgar se confunde no mesmo indivíduo ou grupo de indivíduos, e que seria o responsável pela colheita, produção e avaliação das provas; e o acusatório, que a gestão das provas estaria igualmente distribuída entre as partes (acusação e defesa), cabendo ao juiz ser imparcial, zelar pela legalidade e idoneidade do procedimento e avaliar os elementos probatórios produzidos.

Essas são as características principais que definem os sistemas processuais, sendo certo que cada país ou grupo social, em determinado momento histórico, pode ter adotado sistemas com características híbridas ou predominantemente acusatórias ou inquisitivas.

No Brasil, predominam doutrinadores que consideram existir um ”sistema misto”, sob a ideia de que a fase de investigação preliminar seria inquisitiva e a parte processual acusatória. Aqui cabe uma divergência, sustentada por um grupo minoritário, liderado pelo professor Jacinto Coutinho e ao qual me filio: não há sistema misto, pois o que define um sistema é quem faz a gestão da prova, e, no Brasil, como o juiz pode produzir provas, o sistema seria inquisitivo. O festejado professor possui uma metáfora muito esclarecedora: ”sistema misto é o mesmo que misturar água com azeite e chamar de gasolina”.

A base da crítica é muito simples: se quem julga produz a prova, as funções de acusar e julgar estão fundidas. Assim, impossível seria esse mesmo julgador considerar tal prova ilícita ou com menor força probatória do que a produzida pela defesa, por exemplo. Logo, teríamos um sistema inquisitivo, travestido democrático e que busca sempre condenar, independente de quem seja o acusado ou do que será necessário fazer para se alcançar esse juízo condenatório.

Apesar do grande alarde promovido nos últimos anos, com fortes críticas direcionadas ao Ministro Alexandre de Moraes e outros integrantes do STF, essa postura de produzir provas e julgar o processo levando em conta tais elementos, que evidencia uma confusão entre as funções de acusar e julgar, sempre foi criticada por esse grupo minoritário que citei acima.

No Brasil é muito comum que o magistrado busque provas e as insira nos autos do processo. É muito comum uma postura proativa do judiciário, que, em diversas oportunidades determina uma prisão, mesmo sem pedido prévio, ou promove a acusação, ofuscando e substituindo a função do Ministério Público. O mais estranho é que o grande embate face a tal situação é realizado quase que exclusivamente pelos advogados criminalistas, aqueles mesmos profissionais que são amplamente criminalizados e taxados pela sociedade de ”defensores de bandido”.

O recente ápice dessa ”confusão” entre acusar e julgar aconteceu durante a Lava Jato, cujos detalhes e peculiaridades foram divulgados pela grande mídia na ”Vaza Jato”. Naquele período, parcela considerável da população brasileira aplaudia os métodos, que sempre foram criticados pela doutrina minoritária. Hoje, muitos dos que festejavam a distorção das regras processuais, criticam a postura do Ministro do STF, por considerá-las antidemocráticas, e, coincidentemente, certos críticos assim passaram a ter tal opinião quando foram destinatários do processo criminal “misto” à brasileira.

Todas essas questões levam a percepção sobre uma questão de grande importância: é urgente a necessidade de reforma do nosso sistema processual penal para efetivar concretamente o sistema acusatório!

Ao que parece, a sociedade brasileira não mais aceita um sistema em que as funções de acusar e julgar se confundam, em que seja possível que um mesmo juiz produza provas e depois as utilize para julgar os fatos. Isso impõe a implementação de um sistema efetivamente democrático, com efetiva cisão, demarcação e respeito das funções de acusar e julgar, além de garantir igualdade processual entre acusação e defesa, inclusive para que os defensores possam investigar e produzir elementos probatórios em favor de seus clientes.
As reclamações e críticas ao nosso sistema judiciário, apontam que não podemos mais manter o atual sistema processual. Vale lembrar que sua implementação ocorreu o Estado Novo de Getúlio Vargas, sob inspiração do CPP da Itália facista de Benito Mussolini, circunstâncias que mostram a sua incompatibilidade com um país que pretende ser democrático.

Precisamos urgente de uma reforma no sistema processual penal e na mentalidade de todos os integrantes do sistema de justiça, sejam magistrados, membros do Ministério Público e advogados. Não basta apenas compreender que não se pode confundir as funções de acusar e julgar, para se alcançar a justiça, é preciso não ser justiceiro, e compreender que, muitas vezes um acusado pode não ser culpado, e que, quem possui a função de buscar a prova e fazer todos os esforços para responsabilizar o autor do crime é o integrante da acusação.