Pontius Pilatus ganhou de Tiberius, imperador de Roma, o governo da Judeia e da Samaria, quando exilou Arquelau, filho de Herodes o Grande, e irmão de Herodes Antipas, o antipático, que deu a Salomé o pescoço de João Batista.
Philo J1udaeus e Josephus, historiadores judeus, contemporâneos dele, disseram que era “ríspido” e “intratável”. Mas não queria matar Jesus. Quando aquele homem de olhos mansos, todo ensanguentado, chegou preso ao palácio, trazendo na cabeça a coroa sarcástica ”Jesus Nazarenus Rex Judeorum”-, Pilatos lhe perguntou quem ele era.
– “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.
O caminho, Pilatos sabia o que era. A vida, também. Mas a verdade, não. O evangelista João (18,38) conta que Pilatos outra vez lhe perguntou:
– “O que é a verdade”?
Jesus não respondeu. E foi levado para morrer.Monges medievais diziam que Jesus não respondeu porque a resposta já estava na pergunta. A pergunta, em latim, era:
– “Quid est veritas”? (O que é a verdade?)
Com as 14 letras da pergunta se escreve a resposta:
– “Est vir qui adest”. (É o homem que está aqui).
A verdade é que nem a própria Verdade disse o que é a verdade. E, até o fim dos tempos, jamais alguém saberá.
Toda a tragédia, e todo o ridículo, do homem é que passam os séculos sobre os séculos e nunca ele saberá o que é a verdade. A vida, afinal, é a bela e fugaz busca de Pilatos, querendo em vão saber o que é a verdade. E ninguém saberá, porque ela é muitas.
Por isso Pilatos lavou as mãos e foi dormir.
A VERDADE
Desde o começo dos tempos, o grande conflito das civilizações sempre foi a tentativa de uns imporem aos outros sua verdade. Como ela nunca está com uns nem com outros, porque jamais existiu uma só verdade, a coação ideológica é a grande desgraça dos povos.
Todos os sistemas religiosos, filosóficos, políticos, acabaram se esvaindo pela impossibilidade de se implantarem absolutos. Um dia, o homem sacode a cangalha e pula livre para o campo.
O mais humano e generoso movimento político dos dois últimos séculos foi o socialismo. E acabou se degenerando na brutalidade hegemônica do nazismo, do fascismo, do comunismo.
Da mesma forma que a direita sempre tentou e continua tentando impor seu pensamento único, chame-se colonialismo, imperialismo, neoliberalismo, globalização, também a esquerda imaginou e imagina possível encarneirar a humanidade em um curral ideológico único, universal, inexorável.
E um dia, infelizmente a tão duro custo, a humanidade acaba descobrindo que tudo não passou de fantasia ou pesadelo.
Tudo isso, por tão óbvio, é banal e fácil de dizer. Difícil é enfrentar o dragão radical, solto no poder, na sociedade, no trabalho, na vida. A coragem de dizer não, como Ortega y Gasset:
– “Ser da esquerda, como ser da direita, é uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil: ambas são formas de hemiplegia moral”.
Intelectual é sinônimo de liberdade, de independência. E o primeiro dever de quem fala, escreve, participa da vida coletiva, é a coragem de ser livre. Para dizer o que pensa porque sabe o que diz.
Seguir a caravana, entrar na correnteza, deixar-se levar pela onda, é cômodo mas medíocre. E inútil.
Perguntem a Pilatos, que por isso lavou as mãos e foi dormir.
TERRORISMO
O mundo foi abalado mais uma vez pela besta satânica do terrorismo. E logo, outra vez, exatamente na França, o mais democrático dos países. Parece uma maldição e é. Logo em um balneário da França, Nice, cidade de repouso e férias, em pleno e ensolarado verão.
Um caminhão, um terrorista dirigindo o caminhão em zigue-zague, na hora em que milhares de pessoas olhavam o céu vendo a explosão de fogos comemorativos do “14 de Julho”, a maior festa nacional , e 84 pessoas atropeladas e mortas e centenas de feridos na fileira da morte.
Um só matando 84 e ferindo centenas. Alguém dirá que o terrorista era um louco. Mas uma sociedade que produz esse tipo de loucura também é uma sociedade enlouquecida. Como Pilatos, ela deve lavar as mãos e ir dormir, imaginando que não tem nada a ver com a loucura coletiva.
Os filhos de Pilatos estão pagando o preço de suas mãos lavadas.
TURQUIA
Desgraça nunca vem só. Depois da tragédia terrorista da França, militares da Turquia tentam golpe de Estado, bombardeiam o parlamento, cercam o presidente no palácio e ameaçam massacrar a população que honra sua bela historia e vai para as ruas defender a democracia.
Mãe da Grécia e avó de Roma, a Turquia não merece isso. Não há desculpa. Golpe militar com as armas da nação é canalhice.
*Por Sebastião Nery