”Além de ser um movimento musical, ele é social e econômico”, afirma Jonga Cunha sobre o Axé Music

É um ritmo? É uma música? É um estilo de viver? Se refere no feminino ou no masculino? Afinal, o que é o Axé Music? Ou a Axé Music?

Em uma única sentença, seis perguntas foram feitas para responder à dúvida de uma nação no ano em que o movimento Axé Music completa 40 anos de existência, e neste parágrafo fica mais uma. O início a gente sabe exatamente quando foi, em 1985, do gogó de Luiz Caldas, quando entoou ‘Fricote’ pela primeira vez. Mas o Axé chegou ao fim?

Para o músico e estudioso de uma das maiores manifestações culturais da Bahia, Jonga Cunha, o axé já teve o seu momento. Mas o “fim” não significa algo ruim. Para o integrante da banda Mudei de Nome e curador da exposição “Axé: A Força Sonora e Visual de um Movimento”, que acontece até março na Caixa Cultural, é necessário entender o Axé como um movimento, assim como foi a Tropicália, a Bossa Nova e outros tantos que marcaram a cultura brasileira.

“O axé é um movimento. Um movimento que já passou para mim. ‘Ah, Jonga, mas, então você quer dizer que não consomem Ivete Sangalo e Samba Reggae?’ Não, eu estou dizendo que consomem, e muito. E a música baiana continua sendo a melhor do Brasil, sobretudo para festa. Mas o movimento Tropicália já passou. O movimento Bossa Nova já passou. O movimento é uma coisa, a música é outra. Então esse consumo é da música baiana. Vejo isso quando eu vejo Ivete ganhar três carnavais com o pagode, por exemplo. Isso é o pós axé. Quer dizer que é melhor ou pior? Mas o Axé é um movimento que deveria ser tombado pelo patrimônio histórico baiano e brasileiro, porque é maravilhoso, e essa música feita na Bahia, meu amigo, nunca vai parar.”

Com esse entendimento, o fim diz respeito apenas ao ciclo natural das coisas, mas não impede o Axé de ser lembrado, celebrado e respeitado mundialmente como uma das grandes potências da Bahia.

“O Axé, dentro dos últimos movimentos musicais, nos dois últimos séculos no Brasil, foi o maior, o mais importante, o que varreu o país, porque além de ser um movimento musical, ele é um movimento social e econômico, um jeito de uma cidade totalmente africana no Brasil. De se comportar, de fazer festa, de dançar, de sair no meio da rua atrás de um caminhão, vestidos com o mesmo abadá. É um jeito baiano que varreu o país durante muito tempo. Então é assim, foi um movimento musical, um movimento social, um movimento econômico, um jeito de ser do baiano que tomou conta do país de forma muito aguda.”

“Salvador, a Bahia, o Brasil, considera como a bandeira, o marco, o disco de Luiz. Como é o disco de 1969 de João Gilberto na Bolsa Nova, enfim. É a bandeira, o disco de Luiz é a bandeira de 1985. Óbvio que um dos ícones festejados e homenageados é o Wesley Rangel e a sua WR. Porque sem a WR não tinha acontecido o movimento. Nós não tínhamos condições de gravar. As pessoas têm que lembrar que lá atrás, em 1980, a gente estava num mundo analógico. A gente não tinha como gravar, não tinha estúdios no Nordeste. E os artistas entravam na fila do Rio de Janeiro e tinham sua arte totalmente vilipendiada, porque os diretores não entendiam nada de música nordestina, sobretudo baiana, essa mistura africana que nós temos aqui, com a Europa, com o Ilhas do Caribe… Eles tiravam a percussão. A gente tem vários exemplos de gente que sofreu isso, como o Lui Muritiba, etc. E fazer a WR aqui viabilizou tudo. A gente começou a gravar, as rádios daqui começaram a colocar no dia a dia das FMs e os relatórios mensais do Brasil inteiro eram dominados pelas gravadoras, menos em Salvador.”

Três anos depois da gravação de ‘Fricote’, o movimento musical baiano, que ainda não tinha nome e era tratado como uma mistura de ritmos entre samba-reggae, merengue, ijexá, frevo, toques caribenhos, forró, samba duro e pop rock, foi apelidado de forma pejorativa como Axé Music pelo jornalista Hagamenon Brito.

A ideia era satirizar o estilo inovador apresentado por Luiz Caldas, satirizando a música baiana e a pretensão internacional de alguns dos artistas da cena. O tiro, no entanto, saiu pela culatra, e para Jonga, será difícil superar os números do Axé.

O movimento teve início em 1985, através do LP vinil Magia, de Luiz Caldas, gravado nos Estúdios WR, de Wesley Rangel (1950-2016). A produção, que conta com arranjos musicais de Carlinhos Brown e Alfredo Moura, tem na sua lista de músicas a faixa ‘Fricote’, que veio a se tornar uma grande polêmica no repertório do veterano pela letra. Mas, na época, era o maior sucesso da música baiana por seu arranjo diferenciado e marcante.

“Salvador tinha os 10 primeiros lugares, isso é uma loucura, pirou todo mundo no Rio e São Paulo e as gravadoras começaram a vir para cá para contratar os baianos. Eu acho muito difícil um movimento, o maior de todos, maior do que o rock dos anos 1980, por exemplo, seja esquecido. A gente chegou num ponto de ter aqui 30 a 40 bandas vendendo mais de um milhão de discos por ano, durante muitos anos. Nunca aconteceu isso no mundo, sobretudo por uma cidade. É sensacional, o Axé é uma coisa sensacional. Ter passado não é nada para se entristecer, é a história da vida.”

Mas afinal, o que contempla o Axé Music, já que ele não se trata de um ritmo e sim de um movimento? Ao Bahia Notícias, Jonga explica que essa mescla de estilos musicais faz com que o movimento baiano seja ainda mais especial.

“Alguns chamam o Axé de ritmo. Como assim? Que ritmo é o Axé? Toque aí, amigo, para eu ver. Dentro desse movimento tem muitos ritmos, tem samba-reggae, pagode, galope com rock… São muitos ritmos ficando embaixo do movimento Axé. Dentro do axé está o pagode, sim, porque é um guarda-chuva de ritmos. O pagode baiano vem do samba de roda do recôncavo. Mas a gente pode considerar o reggae como parte do axé, porque foi dele que surgiu o samba-reggae. Temos os blocos afro com Ara Ketu, temos o galope de Bell Marques e o Cabelo Raspadinho, que é uma mistura de ritmos. O Axé é uma riqueza de ritmos.”

O pagode, inclusive, é um dos ritmos de dentro do axé que conseguiu mutar ao longo dos anos e se transformar em diversas outras manifestações, o que é pontuado pelo músico.

“O pagode ganhou uma nova roupa depois do axé, no pós-axé, que é o eletrônico. Quem faz muito bem isso é Márcio Vitor, é o ATTOOXXA, Afrocidade, EdCity. Temos o pagotrap também, que é uma mistura de rap trap com pagode, algo muito moderno e muito bom. Ivete já entendeu isso. Aí nego pode dizer, mas a letra é besta, ‘macetando’. Tá, meu amigo. Não pule não. Vai lá na rua e diga para não pular. Ó, não pule essa música não, que a letra é fraca. Vai procurar seu bloco, velho. Deixa o povo pular’.”

Para Jonga, é necessário entender o ciclo da vida e não tratar a passagem de tempo como algo a se temer, especialmente quando se há qualidade na música.

“Não adianta você bater de frente contra o progresso e a evolução. Porque a revolução digital não mudou só a música. Mudou os hábitos também. A revolução digital mudou a vida, não ia mudar a música? Claro que mudou totalmente. É natural, tudo mudou. Não dá para sentir saudade do inviável, na questão da produção, por exemplo. Hoje, cada um tem um estúdio dentro de casa. Antes a gente ia na WR gravar a música para ouvir no rádio. O mundo mudou, então não tem como eu sentir saudade. Eu tenho saudade é de ser jovem.”

Ano vai, ano vem, e nos 40 anos de Axé Music, especialmente no início do ano, quando o verão pinta e a festa está prestes a começar, é a Bahia que dá o tom em todo o Brasil. O movimento é natural, e deve ser aproveitado, afinal, é esse o comportamento de uma população em uma das temporadas mais felizes do ano.

“É natural que a música baiana seja mais procurada nesse período. É muito alegre, muito a cara de festa. Quando chega o verão, é natural que o consumo cresça. Aí, é igual o consumo de cerveja. É natural. Isso aí é natural. Aí não tem nem o que discutir sobre isso. É natural que os cachês melhorem, que o número de show dobre, porque quando chega o verão as pessoas ficam irresponsáveis, gastam o décimo terceiro na cerveja, na viagem, na praia, rebolando com a roupa branca que não tinha dinheiro para comprar, mas é isso”, afirma Jonga aos risos.

Para o Axé, a fantasia já se fez eterna, mesmo que o Carnaval dure apenas 6 dias oficialmente. Podem se passar mais 40 anos, o que o ‘Canto do Povo de um Lugar’ continuará ecoando nos quatro cantos do mundo, porque o axé é universal. É possível saber mais sobre a história do movimento que é a cara da Bahia na exposição gratuita “Axé: A Força Sonora e Visual de um Movimento”, que segue na Caixa Cultural até 16 de março, com visitação de terça a domingo das 9h às 17h.

Além da homenagem ao Axé, a exposição também faz uma homenagem a Wesley Rangel, produtor musical e fundador do Estúdio WR, principal responsável pela gravação de artistas do gênero; e Pedrinho da Rocha, designer de abadás, mortalhas e trios elétricos do Carnaval de Salvador.

*Por Bianca Andrade/ Bahia Notícias