Amigos, terminei recentemente a leitura da obra A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil, das historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling. Ao ler o livro, o mais triste foi constatar que repetimos a história. Repetimos a tragédia diante dos nossos olhos. As autoras dedicam um capítulo sobre a gripe espanhola em Salvador. Segundo elas, a doença chegou à capital baiana no dia 11 de setembro de 1918. Passageiros de um navio vindo de Liverpool (na Inglaterra) desembarcaram aparentemente sem problemas, mas dias depois dois deles morreriam da enfermidade.
Contam as historiadoras que, em menos de um mês, a cidade começou a ser dizimada pela gripe. Operários de fábricas pararam de trabalhar, 86% dos funcionários dos Correios foram contaminados, festas foram suspensas e as escolas fechadas. ”Faltavam carros funerários para remoção de cadáveres e, em bairros populares, como Massaranduba, Barbalho, Baixa de Quintas ou Lapinha, os moradores assistiram à passagem, pelas ruas, de corpos estendidos sobre uma tábua, amarrados com arames e cordas, a caminho do necrotério”, escreveram as autoras
Na época, Antônio Muniz era o governador da Bahia. Assim como o atual governador Rui Costa, Muniz foi eleito graças ao padrinho político, J.J. Seabra. Seabra, assim como Jaques Wagner, pôs um aliado para guardar o lugar e retornar ao poder na eleição seguinte. Ele conseguiu, e Wagner tentará no próximo ano. Mas, diferentemente de Muniz, Rui Costa jamais teve um comportamento negacionista em relação à pandemia. Pelo contrário, embora tenha cometido alguns erros, como no caso dos respiradores, o petista adotou uma postura firme na defesa da ciência e da medicina. Nunca se curvou diante da pressão daqueles que preferiram se aliar ao vírus. Já o ex-governador negou a doença até quando deu, e, ao entregar a mensagem do Executivo à Assembleia Legislativa da Bahia em 1919, teve a desfaçatez de dizer que o estado foi ”um dos lugares do mundo em que a epidemia de influenza foi mais benigna, menos mortífera e menos extensa”.
Assim como deve ocorrer com a Covid-19, a gripe espanhola teve três ondas no mundo. Em Salvador, a moléstia do século 20 registrou os primeiros casos na segunda onda, quando afetou todos os continentes. E, como a pandemia do coronavírus, a segunda onda da espanhola foi ”mais violenta e fatal”. Com 320 mil habitantes, Salvador viu 130 mil contraírem a doença, quase metade dos moradores. Do total, 386 morreram. Vitória da Conquista tem hoje uma população semelhante à da capital da Bahia daquele período. E, até o último domingo, 360 pessoas já tinham sido vítimas da Covid-19, sendo que 23 mil contaminadas. Uma das vítimas foi o prefeito Herzem Gusmão, que lamentavelmente decidiu ficar ao lado dos que temem em negar a gravidade da enfermidade.
Se não temos um governador negacionista desta vez, temos um presidente da República, que contribui mais para perdemos vidas do que para salvar. Os brasileiros cavaram com os próprios pés o abismo que estamos. Escolheu um presidente que vira as costas para a política. Se a política prega o consenso, ele opta pelo conflito. Se a política prega o diálogo, ele opta pela briga. O resultado é que caminhamos a passos largos para entrar para história como o país onde ocorreu a maior tragédia sanitária do início do século 21. Na parede da memória, difícil será dizer no futuro qual a lembrança que doeu mais.
*Por Rodrigo Daniel Silva / Jornalista