Amigos, um dia desses assistia a um canal de notícias e vi um comentarista político dizer que a polêmica autodeclaração racial de ACM Neto teria influenciado nas eleições ao governo da Bahia a tal ponto de levá-lo a perder no primeiro turno do pleito. A imprensa sulista permanece sustentando, sem qualquer evidência, que o candidato do União Brasil desidratou por ter se autodeclarado pardo. Me parece que se escorar neste argumento é ignorar a força política que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem em nosso estado e na região Nordeste, como um todo.
Mesmo sem mover um dedo contra ACM Neto, Lula foi, mais uma vez, capaz de alavancar um candidato do PT, desta vez Jerônimo Rodrigues, que por um triz quase venceu a disputa ao governo baiano no 1º turno. O ex-presidente atribuiu o ”milagre da natureza”, que foi pegar um “menino desconhecido” e levar para o 2º turno, ao governador Rui Costa e aos senadores Jaques Wagner e Otto Alencar. Mas Lula sabe que quem operou o milagre, na verdade, foi ele.
Foi ele também que fez o petista Elmano Freitas sair do terceiro lugar para ser consagrado governador do Ceará nas urnas no dia 2 de outubro. No Piauí, as mãos do ex-presidente levaram Rafael Fonteles, que estava em segundo turno, a virar o jogo e vencer ainda no primeiro turno. A eleição baiana de 2022 guarda semelhança com a de 1950. Naquele ano, Juracy Magalhães, que chegou a liderar com 63% das intenções de votos, perdeu por causa do ”Lula daquela época”. Getúlio Vargas se manteve neutro em boa parte do tempo daquela disputa, mas, na reta final, decidiu declarar apoio a Régis Pacheco.
”Todo o proletariado, que era meu eleitor, votou contra mim. Vargas exercia um verdadeiro fascínio sobre a gente pobre. Eles não poderiam negar fidelidade ao grande inspirador da política de proteção aos trabalhadores. Quando se pronunciou contra mim, me derrotou. Vargas ainda era o rei”, disse Juracy em depoimento tempos depois.
Importante asseverar que a autodeclaração de ACM Neto merece um debate sério da sociedade. Na leitura social, como bem disse o jornalista Vanderson Nascimento, Neto é um homem branco e se desconhece que ele tenha sido vítima de preconceitos por causa da cor da sua pele. Isso, frise-se bem, não tem nada a ver com o fato de ter poder aquisitivo. O dinheiro pode até mascarar, mas não livra os negros do racismo. Mas as campanhas de Jerônimo Rodrigues e de seus aliados nunca quiseram discutir, com seriedade, essa questão. A intenção, ao explorar o tema, foi simplesmente ter dividendos eleitorais. Prova disto é que o líder do governo na Assembleia Legislativa da Bahia, Rosemberg Pinto, que se autodeclarou como branco há quatro anos, agora diz que é preto. Este é apenas um dos casos em que a esquerda fez um silêncio sepulcral.
De volta a Lula, embora a força eleitoral dele tenha sido decisiva, não podemos atribuir, apenas a isso, o fato de ACM Neto ter perdido no primeiro turno. A soberba da campanha oposicionista foi mais um ingrediente na massa deste bolo que desandou. Nos últimos dias, aliados levantaram o tapete e começou aparecer a poeira de erros da oposição, desde desleixo na entrega de material da eleição até críticas à escolha dos componentes da chapa majoritária. A campanha de ACM Neto é mais uma prova de que quando há um clima de ”já ganhou” se acelera o ritmo para a derrota.
Neto tem visto agora a eleição escapulir por entre os dedos e sabe que se tornou uma missão não impossível, mas muito difícil de reverter. De 1990 para cá, quando os pleitos aos governos passaram a ter disputa em dois turnos, apenas 29% dos candidatos que chegaram em segundo lugar na primeira etapa conseguiram uma virada na votação final, segundo uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
Juracy, que já havia governado a Bahia após o golpe de 1930, voltaria ao poder estadual democraticamente somente depois de vencer a eleição de 1958. Vargas havia morrido quatro anos antes. Assim como ACM Neto, Juracy fez uma campanha sendo oposição federal e estadual. O que levou a dizer anos depois: ”Perdi em 50 uma campanha que não podia perder e ganhei, nesse ano de 58, uma outra que não podia ganhar”.
*Por Rodrigo Daniel Silva, repórter da Tribuna