Quando você ouvir falar de armas químicas, lembre-se de seu almoço. Rememore o seu prato. Evoque em sua memória as últimas refeições em família. Uma guerra química de raízes econômicas acontece todos os dias, silenciosamente, na mesa de todos os brasileiros. E o pior. Isso não é uma metáfora.
Dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras de nosso país, 22 são proibidos na União Europeia. Os europeus não topam comer isso, mas aceitam nos vender. Outras dezenas destes produtos não estão proibidos ainda, embora já se tenha inúmeros estudos que associam o seu uso às doenças, malformações e mutações genéticas.
O Brasil é o campeão mundial em consumo de agrotóxicos, maior importador e contrabandeador desses produtos.
Podemos constatar historicamente que a indústria química avança em tempo de guerra. Todavia, ela precisa vender em tempos de paz as substâncias que descobriu na guerra. O DDT era usado para “proteger” os soldados contra piolhos e o tifo. Na guerra descobriram o Aldrin, Dieldrin, Heptacloro, Totaneno e outros organoclorados, como o DDT. Na paz, esses produtos iam para os pratos.
E assim, foi do matrimônio poligâmico entre a indústria química, a guerra, e a agricultura pós guerra, que os agrotóxicos se transformaram numa catástrofe sanitária brutal, sob o manto protetor do Estado brasileiro, e do mutismo da humanidade.
A junção dos interesses da grande indústria química, aliada ao agronegócio, desencadeia no atual sistema político a formação de poderosa bancada disposta a “barrar” qualquer iniciativa de regulamentar o uso dos agrotóxicos. Mais do que isso, com tantos parlamentares à sua disposição, essa dupla avança, beneficiada por sua superioridade econômica, midiática e política.
A saúde pública e o meio ambiente, entretanto, funcionam independentemente das bancadas e suas investidas.
Assim, no final caberá a você, que foi envenenado, arcar junto com o Sistema Único de Saúde, o tratamento de doenças como a infertilidade, impotência, abortos, malformações, problemas hormonais, efeitos sob o sistema imunológico, câncer e demais males associados aos agrotóxicos.
E qual o ônus que essas multinacionais vão carregar pelo custo à saúde e ao meio ambiente?
Nenhum, ao contrário, o Brasil premia os agrotóxicos com isenções fiscais e tributárias. 60% da alíquota de ICMS a todos agrotóxicos, isenção de IPI para os agrotóxicos com diversos princípios ativos, assim como o PIS/PASEB e COFINS.
Ao mesmo tempo, nos últimos 10 anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, enquanto o mercado brasileiro, em sua Blitzkrieg, avançou 190%.
Por força dos princípios da Precaução e Prevenção, os entes da Federação, as instituições públicas, e o Poder Legislativo precisam dar respostas a esta inversão de responsabilidades, fazendo com que o poluidor seja o pagador, como determina a lei. E assegurando a regulamentação da produção, comercialização e uso dos agrotóxicos de forma a proteger a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Defender a vida.
Neste cenário é que o Estado da Bahia vive uma disputa no legislativo estadual entre os que lutam para regularizar o uso e o comércio de agrotóxicos e uma bancada disposta a “barrar” a regularização.
Os números do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA/ANVISA – 2002) mostram como as baianas e os baianos estão se envenenando. 60% dos morangos analisados, 60% dos pepinos, 50% das cenouras, 60% das uvas e 40% dos abacaxis em amostras colhidas no Estado da Bahia continham níveis inaceitáveis de agrotóxicos. De 138 amostras, 30,4% continham níveis de agrotóxicos classificados como “insatisfatórios”. As demais amostras continham resíduos de agrotóxicos, mas em menor quantidade.
Entretanto, esses testes não incluem diversas substâncias como o glifosato e o paraquat. Além disso, o número de análises de alimentos feitas nas cidades baianas é irrisório, frente ao número de propriedades rurais no Estado e do volume de comércio desses produtos. Entre as substâncias encontradas nesses vegetais estão algumas particularmente perigosas e proibidas, como o Triclorfom, banido em diversos países, como a Alemanha e a Austrália, e no Brasil, com laudo técnico do IBAMA e Anvisa proibindo seu uso.
O problema é agravado com a pulverização aérea, prática que a Comunidade Europeia proibiu, abrindo exceções em casos específicos em que ela se mostre ambientalmente menos danosa e, ainda assim, sob uma série de garantias e aprovação do Estado membro. Estima-se que somente 30% dos agrotóxicos pulverizados atingem as plantas almejadas. O restante é carregado pelo vento, contaminando o ar, solo, a fauna, mananciais de água e a população rural e urbana.
Por Marcelino Galo: Engenheiro agrônomo, deputado estadual (PT/BA), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia.