Prefeitos mais velhos do país minimizam sombra de Biden e rechaçam elo entre idade e gestão

Gestores mais velhos do Brasil. Foto: Reprodução / Folha de S. Paulo

Entre os prefeitos mais velhos do país, a associação de que a idade avançada prejudica a capacidade de governar não é bem recebida.

A discussão veio à tona após o primeiro debate presidencial nos Estados Unidos, em junho, quando o democrata Joe Biden, 81, apresentou um desempenho vacilante. Desde então, apoiadores e doadores do partido vieram a público pedir para que o presidente americano desista da campanha à reeleição.

No Brasil, o tema sobre a idade dos políticos pode ser usado contra o presidente Lula (PT), caso ele opte por tentar a reeleição em 2026, apesar de a situação sobre a saúde do mandatário -que tem hoje 78 anos- em nada se parecer com a de Biden, segundo especialistas.

Nas cidades brasileiras, apenas 16 prefeitos eleitos em 2020 (0,28% do total) tinham 80 anos ou mais na data da posse. Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) analisados pela Folha, a idade média dos 5.600 eleitos foi de 49 anos -o número é maior que o total de municípios brasileiros porque alguns dos eleitos tiveram o mandato cassado ou a candidatura indeferida, com a realização de novas eleições suplementares.

Na época da posse, seis prefeitos tinham 81 ou 82 anos, as idades com que Lula e Biden tomarão posse caso sejam reconduzidos aos cargos. José Braz (PP), eleito em Muriaé (MG) aos 95 anos, foi o político mais velho escolhido para comandar o Executivo nas eleições de 2020 entre todas as cidades brasileiras. Ele morreu em 2022. Na contramão, cinco cidades elegeram prefeitos de 21 anos, idade mínima exigida pela legislação.

Considerando as capitais, o prefeito eleito mais velho foi o de Teresina, no Piauí: José Pessoa Leal (MDB), conhecido como Dr. Pessoa, tinha na época 74 anos. O mais novo foi João Campos (PSB), do Recife, então com 27 anos. Silvestre José Gorini, atualmente com 92 anos, é prefeito de Varre-Sai, município do noroeste do Rio de Janeiro, a cerca de 270 km da capital.

Todas as manhãs, Dr. Silvestre (PP), como é conhecido, caminha e pedala ao menos 30 minutos. Só depois da atividade física é que ele inicia a rotina na gestão da cidade de 10.207 habitantes. “A cabeça parece que está boa. Pelo menos ninguém reclama e já são três mandatos”, afirma.

A pequena Bom Progresso, cidade de pouco mais de 2.000 habitantes e que fica no noroeste do Rio Grande do Sul, é administrada por Armindo David Heinle (PP), conhecido como Armindão.

Em seu quarto mandato à frente do município, ele pretende concorrer mais uma vez ao cargo daqui a quatro anos. “Fui prefeito com 70 anos [quando assumiu pela primeira vez, em 2004]. Já estou com 16 anos na prefeitura e o pessoal pode achar que agora chega, mas não chega, não”, diz Armindão.

”Sabendo lidar com o povo aqui, não cansa. E o povo respeita muito a gente”, afirma o prefeito, que completou 90 anos no dia 10.

O Brasil tem ao menos três prefeitos atualmente com 90 anos ou mais. Além de Dr. Silvestre e Armindão, há o prefeito de Montes Claros (MG), Humberto Souto (Cidadania), 90. Na lista dos 10 prefeitos mais velhos do país na época da posse, 7 ainda estão em exercício.

Todos eles são mais velhos que Joe Biden, cujos episódios recentes reforçaram uma imagem de fragilidade construída por parte da imprensa, opositores e mesmo aliados democratas.

Entre as gafes cometidas pelo presidente americano estão chamar o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, pelo nome de seu rival russo, Vladimir Putin, e trocar o nome de sua vice, Kamala Harris, pelo de seu adversário, Donald Trump.

”Apesar de ter 81 anos, a gente vê que o Biden não está bem, está rateando. Eu até torço por ele, para não entrar aquele louco [Trump]. Mas a gente sente, ouvindo e vendo o modo de andar, que ele não está legal. É sobre saúde, não sobre idade”, diz o prefeito Dr. Silvestre.

Ele concilia a Prefeitura de Varre-Sai, maior município produtor de café do estado do Rio, com os atendimentos em um hospital municipal.

Durante quase duas décadas, foi o único médico da cidade e conhece parte dos moradores pelo nome. ”Tenho a impressão de que uma grande parte da cidade nasceu na minha mão”, afirma.

Prefeito por três mandatos (de 1997 a 2000 e de 2017 a 2024), Dr. Silvestre diz que a idade não fez diminuir o ritmo de trabalho. “Eu ainda vou para a rua, passo de casa em casa, de porta em porta. Não vou fazer campanha este ano porque já fui reeleito. Quem sabe eu não resolvo voltar à prefeitura daqui a uns 20 anos?”, brinca.

Coronel Elói (PSD), 88, está no terceiro mandato em Barro Duro, cidade de 6.640 habitantes no Piauí. Já era adulto quando o município foi emancipado, em 1962.

Pré-candidato à reeleição nas eleições de outubro, Elói criou neste ano perfis nas redes sociais. O coronel reformado da Polícia Militar do estado diz que o mote da campanha será comparar o que foi feito por ele e por governantes mais novos.

”Penso que a idade não descredencia o cidadão a pleitear um cargo político ou qualquer outro ofício, desde que demonstre ter capacidade plena para exercer a atividade”, afirma.

Já o gaúcho Armindão, que não pode concorrer à reeleição, evita fazer campanha para um sucessor. O prefeito de Bom Progresso também é agricultor, atividade que predomina no município. Na lavoura de Armindão, há plantação de trigo, soja e milho.

De segunda a sexta ele cumpre expediente na prefeitura, que fica a 300 metros da sua casa. Conta que vai a pé, porque “é bom se movimentar”. As últimas semanas têm sido mais difíceis de levantar da cama, mas não pela idade ou por um eventual problema na gestão do município.

”Aqui tá muito frio, ter que sair debaixo da coberta quente é complicado”, brinca. Informado pela reportagem de que o prefeito de Varre-Sai é mais velho e questionado sobre como se sentiria caso conquistasse esse posto com o eventual retorno à prefeitura em 2029, Armindão responde: “Eu quero ser o prefeito mais velho do Brasil, mas não vou torcer contra ele [Dr. Silvestre]. É saúde e paz para ele”.

Akira Otsubo (MDB), 86, prefeito de Bataguassu (MT), afirma que sua idade foi usada contra ele durante o período de debates que precederam as últimas eleições municipais.

Na época, um concorrente insinuou que Otsubo estaria velho demais para disputar o cargo de prefeito. O discurso, entretanto, foi mal recebido por parte do eleitorado.

Segundo o político, ele passou a receber o apoio de pessoas mais velhas, as quais diziam que, apesar de não precisarem mais votar por causa da idade, iriam apoiar o político em protesto contra as falas etaristas.

O prefeito acredita que a idade não traz empecilho para o cargo e assegura ter disposição. ”A idade não me prejudica. Ao contrário, traz experiência”, afirma. *Bahia Notícias