A Polícia Federal pediu a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telemático de um ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) para investigar transações entre ele e uma empresa com contratos do governo federal, um deles custeado com dinheiro de emenda parlamentar.
Os pedidos foram autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), entre os meses de outubro e dezembro de 2022. As solicitações da PF têm como base as mensagens de Mauro Cid, braço direito de Bolsonaro e chefe da Ajudância de Ordens da Presidência, encontradas a partir da quebra do seu sigilo telemático na investigação relatada por Moraes sobre o vazamento do inquérito sigilo do ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Ao analisar o material, os investigadores encontraram indícios de transações suspeitas entre Luis Marcos dos Reis, ajudante de ordens do ex-presidente, e a empresa Cedro Libano Comércio de Madeira e Materiais de Construção. Luis dos Reis foi um dos presos no último dia 3 de maio na operação Venire, que investiga a inserção fraudulenta de dados no sistema de vacinação do Ministério da Saúde.
Segundo a PF, o Portal da Transparência mostra que, de 2020 a 2022, durante o governo Bolsonaro, a Cedro Líbano recebeu recursos federais por meio de contratos com a Universidade Federal do Espírito Santo, Instituto Federal de Tocantins e Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba). A análise da Polícia Federal nas contas de Luís Marcos dos Reis mostra várias transações entre ele e a empresa ou pessoas vinculadas a ela. Dos Reis aparece recebendo e enviado valores para a empresa e para uma de suas sócias de 2019 a 2022.
Ele também manteve transações como o pai de uma das sócias da empresa. ”A soma das transações a crédito para a conta de Luís Marcos dos Réus é R$ 101 mi. As transações com débito da conta do investigado totalizaram R$ 69 mil”, diz a PF ao apontar um saldo de R$ 32 mil positivo para o assessor de Bolsonaro nas transações com a empresa. De acordo com os investigadores, até o fim do ano passado ainda não havia sido possível identificar vínculo formal ou informal entre o ajudante de ordens e a empresa para justificar a movimentação financeira identificada.
”Tais transações se tornam ainda mais incompreensíveis se considerarmos o fato de Luís Marcos Dos Reis ser servidor público, sargento do Exército Brasileiro, lotado até julho de 2022 na Ajudância de Ordens da Presidência da República.” No mesmo período em que recebe da empresa, o ajudante de ordens de Bolsonaro aparece envolvido nas transações que são investigadas pela PF sob suspeita de desvio de dinheiro da Presidência por meio de Mauro Cid e a pedido de Michelle Bolsonaro.
O assessor, diz a PF, repassou valores para pessoas indicadas pelas assessoras de Michelle Bolsonaro. Entre elas, a tia da ex-primeira-dama, Maria Graces de Moraes Braga, para quem o assessor de 12 depósitos em espécie.
Ele também fez três depósitos para Rosimary Cardoso Cordeiro, responsável por emitir um cartão de crédito utilizado por Michelle. No pedido de quebra de sigilo para avançar na investigação sobre a relação do assessor de Bolsonaro, a PF aponta a empresa e as transações de Dos Reis com outros ajudantes de ordens. São citados Mauro Cid e Osmar Crivelatti.
A reportagem tentou entrar em contato com Rosimary, Luís dos Reis e Maria Graces. O advogado de Cid, Bernardo Fenelon, afirmou que ”por respeito ao Supremo Tribunal Federal, toda e qualquer manifestação defensiva será feita nos autos do processo”. A Cedros foi procurada pela Folha, mas não retornou o contato.
Todas essas transações envolvem o custeio de despesas solicitadas pela ex-primeira dama e sob análise dos investigadores no inquérito das milícias digitais. Além das transações financeiras, chamou atenção da PF as informações coletadas sobre a empresa Cedro Libano, sediada em Goiânia (GO).
”Ainda segundo a PF, a análise das notas de empenho revelou uma disparidade entre o objeto da atividade desempenhada pela empresa Cedro Líbano —comércio varejista de madeira e artefatos— e os bens fornecidos nos contratos firmados com o governo federal”, diz Moraes em sua decisão que autorizou a quebra de sigilo da empresa.
À Universidade, a empresa forneceu “colhedora de forragem de uma linha para espécies de forrageiras” e para o Instituto uma ”plantadeira, tipo engate hidráulico”. No caso da Codevasf, chamou atenção dos investigadores o fato da Cedro, sediada em Goiânia (GO), fornecer quatro plantadeiras e adubadeiras para um projeto no Amapá custeadas com emenda parlamentar da bancada de deputados do estado. *por Fabio Serapião, Constança Rezende e Lucas Marchesini / Folhapress