As pesquisas almejam em mostrar a carne viva do eleitor, emprestando veleidades e conclusões extravagantes, de comprovada cientificidade, e sempre na confiança do impacto sobre a memória da coletividade que caminhará até as urnas.
É inútil opor-lhe qualquer argumentação e nem mesmo os fiascos protagonizados pelos percentuais de eleições passadas têm força de dissuasão.
Todas as somas heteróclitas e mais as perspectivas do comportamento do eleitor são submetidas a escrutínio, com resultado próximo ou muito próximo das paixões irresistíveis, que tornam o voto um santuário de maldições, de incongruências, de racionalidade e da fé inquebrantável da escolha certa.
Para fazer a escolha certa, a comunidade terá de absorver o quase cotidiano das pesquisas e repassá-los na memória, acreditar, por em dúvida, comparar com as reminiscências, para que nada fique fora do lugar, sem uma ponta solta, com todas as cadeiras, sem faltar uma; contrariando o jogo infantil, em que os jovens brincam não para sentar nas cadeiras, mas para ver quem ficou de pé.
Esse logro -, da próxima vez preste atenção e sente rapidamente na cadeira-, ilustra uma condição de que sempre haverá um vencedor e uma perda, sendo que a vitória tem um gosto especial, uma expiação, um castigo à derrota. Quem ficou de pé foi um tolo, embora ele faça parte da comunidade, não goza do privilégio da comunhão.
Isso não pode ser esquecido, porque faz parte da memória, não é anamnesis, ou seja, não é o processo de recordar, reinscrever no corpo, na memória, aquilo que havia sido esquecido.
Mas acontece que a memória não é duradora, ou seja, uma vez o acontecimento ele não será para sempre a marca indelével que o fez surgir, daí a reminiscência, a anamnesis. Paara não ter de recorrer a anamnesis, a bíblia encontrou uma saída, numa espécie de terrorismo santificado, para os fies reterem na memória a fé e a confiança em deus, de tal modo que o esquecimento será punido, igualado ao pecado original, como bem disse Yosef Hayim Yerushalmi, em “Reflexões sobre o Esquecimento”, se referindo ao Deuteronômio VIII: “toma cuidado para não esquecer o Senhor teu Deus, nem deixar de observar os mandamentos, os decretos e as leis que hoje te prescrevo. Não aconteça que depois de teres comido à saciedade… e aumentado a prata, o ouro e todos os seus bens esqueça o Senhor. Se te esqueceres vós perecereis, por não haver escutado a voz de deus”. Mas é a bíblia e não as pesquisas.
No entanto, o esquecimento coletivo e a memória coletiva se dão por vias intrigantes e não respondem a religião, e nem colocam em causa acreditar ou não em deus. As pesquisas oferecem munições, interpretações e até mesmo se põem na condição de oráculo. Mas seja como for, tanto Lula como Bolsonaro, para além das pesquisas, vão se defrontar com a anamnesis dos eleitores, mas nem tão esquecidos assim?
*por Gerson Brasil, da Tribuna da Bahia