O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias foi liberado no fim da noite desta quarta-feira (7), após pagar fiança de R$ 1.100. Dias permaneceu mais de cinco horas detido na sede da Polícia Legislativa, no subsolo do Congresso Nacional. Ele saiu pouco depois das 23 horas em um carro, no banco de trás do veículo, acompanhado de sua advogada, sem falar com a imprensa.
Agentes da Polícia Legislativa não explicaram se o ex-diretor da pasta mudou em seu depoimento as falas que proferiu durante a sessão da CPI da Covid, que levaram a sua detenção. Dias vai responder em liberdade por falso testemunho a uma CPI, previsto na lei 1579 (de 1952), que trata especificamente das comissões parlamentares de inquérito. A pena prevista é de um a três anos de reclusão, além de multa.
O próximo passo será a conclusão do processo na Polícia Legislativa e o posterior encaminhamento ao Ministério Público. O valor da fiança paga pelo ex-diretor foi calculado com base em sua renda atual. Durante o período em que permaneceu na sede da Polícia Legislativa, Dias recebeu a visita dos senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Marcos do Val (Podemos-ES). Ao saírem afirmaram que o ex-diretor e sua advogada analisavam se mudariam algumas de suas falas ao colegiado, para tentar evitar a ocorrência de crime.
Os dois parlamentares criticaram a decisão de Aziz. Assim como havia feito durante a sessão da CPI, Rogério disse que se tratou de uma ”prisão arbitrária”. Do Val, por sua vez, disse que esse fato vai provocar prejuízos para os rumos da CPI, com depoentes pouco dispostos a colaborar. Disse que a maior parte deles vai atuar como o empresário Carlos Wizard, que, amparado por um habeas corpus, não respondeu a pergunta dos senadores em seu depoimento.
A também senadora Soraya Thronick (PSL-MS) esteve na Polícia Legislativa, mas não se encontrou com Dias. Ao sair, disse apenas que veio conversar com o comando da Polícia para garantir que os direitos do depoente estavam sendo respeitados.
Mais cedo, em audiência no colegiado, o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, deu voz de prisão a Dias. Segundo ele, o depoente mentiu em diversos pontos de sua fala e por isso determinou que a Polícia Legislativa recolhesse o ex-diretor do ministério. ”Ele está mentindo desde a manhã, dei chance para ele o tempo todo. Pedi por favor, pedi várias vezes. E tem coisas que não dá para… Os áudios que nós temos do [Luiz Paulo] Dominghetti [vendedor de vacinas] são claros”, afirmou Aziz. “Ele vai estar detido agora pelo Brasil, pelas vítimas que morreram.”
Ao justificar a ordem de prisão, Aziz citou áudios revelados pela CNN Brasil que contradizem a versão do ex-diretor sobre o encontro com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply. Dominghetti disse à Folha que o então diretor de Logística da Saúde cobrou propina de US$ 1 por dose em um jantar em um restaurante de Brasília, em 25 de fevereiro deste ano. A negociação envolveria 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca contra a Covid.
Apresentados na CPI, os áudios são de 23 de fevereiro, dois dias antes do jantar. No áudio, Dominghetti afirma a um interlocutor que ”a compra vai acontecer”, o processo está ”na fase burocrática” e Dias irá assinar. Ele ainda afirma que faria reunião no dia 25 —data do jantar—, para ”finalizar com o ministério”.
Após a prisão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que não irá tornar nula a prisão de Dias. Segundo Pacheco, essa decisão deverá ser tomada no âmbito da própria comissão.
”A CPI tem uma existência autônoma, tem um presidente, que tem sua autoridade. Segundo eu soube, houve a decretação da prisão em flagrante pelo presidente da CPI a uma testemunha que lá estava. Foi encaminhada à Polícia Legislativa para as providências de praxe e não há o que a Presidência do Senado tenha o que fazer neste instante”, afirmou.
Mais cedo, durante a sessão do Senado, senadores governistas pediram para Pacheco anular a prisão, pois ela teria ocorrido após os trabalhos no plenário serem iniciados.
”O presidente da CPI, em ato arbitrário, e a meu ver, clássico caso de abuso de autoridade, determinou a prisão do depoente sem um fato que justifique e em momento absolutamente ilegal, face o funcionamento da CPI concomitantemente com o funcionamento do plenário do Senado Federal. Peço a Vossa Excelência que, em razão do caráter de ilegalidade desse ato arbitrário, determine o seu desfazimento”, afirmou o senador Marcos Rogério (DEM-RO).
Pacheco respondeu que iria aguardar a Secretaria-Geral da Mesa se posicionar sobre o ocorrido para definir o que seria feito. Após, a sessão, ele disse que, como a prisão não foi deliberada pelo plenário da CPI, não caberia à Presidência do Senado anular o ato.
”Eu tenho recomendado sempre que, ao se iniciar a sessão do Senado, é importante que se interrompam as comissões que funcionam na Casa, inclusive a CPI. Esse foi um ponto de questionamento. No entanto, não foi algo deliberado pelo plenário da CPI, foi uma decisão do presidente Omar Aziz, e isso deverá ser aferido no próprio âmbito da CPI. Não há nada, de previsão regimental, que eu possa tomar pé em relação a isso”, afirmou.
*Renato Machado e Washington Luiz/Folhapress