O clima eleitoral se elevará nos próximos meses, mesmo que as aflições sociais com a pandemia se estendam até o fim do ano e continuem a influir na agenda política de 2022. O coronavírus será o grande eleitor no próximo ano. E mais: servirá para elevar o tom da tuba de ressonância que se formará nos próximos tempos para adensar o fenômeno social que vimos na polarização entre Bolsonaro e o PT em 2018.
O que se viu por aqui no último pleito foi um conjunto de situações assemelhadas ao quadro eleitoral norte-americano com a eleição de Donald Trump. Thomas Frank, respeitado analista político, argumenta que o megaempresário foi eleito por “conservadores em um movimento de contrarreação”. Nesse rolo compressor social, contra o status quo, reuniram-se brancos, parcela da classe operária e classes médias, faixas que sentiram perda de status e de renda.
A raiva e a constatação do bolso vazio identificaram esses grupos com Deus, com as Forças Armadas e com os valores pátrios, na defesa do emprego e contrários à invasão estrangeira. E refugiaram-se no partido republicano. Deu naquilo, Trump na Casa Branca.
Aqui, sentimentos difusos confluíram para a via conservadora, em núcleos religiosos, especialmente evangélicos, nas Forças Armadas e em nichos familiares, rechaçando o lulopetismo, sujo pelos escândalos da Lava Jato. Bolsonaro canalizou a contrariedade de tudo contra o PT. O capitão não foi eleito por suas qualidades, mas pelos erros de outros.
A polarização se repetirá em 2022? Como em política tudo é possível, isso pode acontecer, mas o bombardeio mudará de alvo. Uma análise sobre a realidade: o governo Bolsonaro não tem entregue o que prometeu. O acordo com o Centrão lembra administrações passadas. O presidente, em vez de agir com equilíbrio e harmonia, é fator de permanente tensão. Governa apenas para sua base.
Nesse vácuo, os mais espertos sobem aos palanques com o velho-novo discurso da esperança. Lula, de réu se transforma em vítima, ganha visibilidade e mostra-se (quem diria!) a voz do bom senso. Seus processos voltam à estaca zero, mas a impressão que perpassa na sociedade é a de sua inocência, vitimado pelo ex-juiz Sérgio Moro, agora suspeito com o selo do STF. Mas o rio não correrá em sua direção como em 2002 e 2006. As águas são outras.
Convém levantar o painel de fundo que acolhe o “animus animandi” nacional. Percorre os estratos da pirâmide social a sensação de coisa dita e repetida, os escândalos. Portanto, como em 2018, constata-se intensa indignação. O cobertor social mostra-se curto. A lengalenga governamental canta loas ao próprio umbigo.
Portanto, a vontade de passar uma borracha não terá como foco apenas um lado. Todos serão alvo. Lulopetismo e bolsonarismo serão cara e coroa de uma moeda sem valor. A consciência crítica subiu alguns centímetros. Classes médias (B e C) moverão as águas das margens. Os núcleos organizados – organizações não governamentais, profissionais liberais, enfim, os integrantes das forças produtivas -, atuarão na linha de frente de onde emergirão inputs e ecos do pensamento social.
Essa é a razão que nos leva a enxergar um ponto no meio do arco ideológico capaz de aglutinar a vontade da maioria.
*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político