A cúpula da CPI da Covid quer traçar uma linha do tempo e iniciar os trabalhos esquadrinhando as razões que levaram à queda dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
O objetivo é entender, por exemplo, se houve e como se deu a pressão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para que o governo defendesse o uso da hidroxicloroquina no tratamento contra a Covid-19. A estratégia tem sido discutida pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), indicado como presidente da comissão, com Renan Calheiros (MDB-AL), que deve ser o relator.
Ambos são os responsáveis por direcionar os trabalhos da CPI e preparar seu plano de trabalho, incluindo a pauta de votações dos requerimentos apresentados pelos demais integrantes e agendamento de depoimentos. Eles querem esmiuçar as tentativas de compra de vacinas pelo Executivo e o que levou o governo a recusar oferta da Pfizer para compra de imunizantes, por exemplo.
O colegiado seria instalado na próxima quinta-feira (22), mas nesta segunda (19), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse a alguns parlamentares indicados para compor a comissão que poderia adiar o início dos trabalhos. Inicialmente, ele sinalizou que a primeira sessão ocorreria na próxima terça (27).
Formalmente, justificou aos colegas que não haveria tempo suficiente para higienizar a sala onde o colegiado vai trabalhar e organizar as urnas que vão servir para eleger o presidente da comissão. O argumento, porém, foi encarado com desconfiança por uma ala de titulares da CPI. Para esses senadores, o presidente da Casa quer adiar a instalação por mais tempo.
Senadores independentes e de oposição vão definir uma estratégia caso Pacheco resolva adiar mesmo a sessão. Uma das medidas estudadas é convencer o senador Otto Alencar (PSD-BA), o mais velho da comissão, a instalar a CPI, o que é regimentalmente permitido.
Enquanto isso, os parlamentares já conversam nos bastidores sobre as primeiras ações do colegiado. À reportagem o senador Omar Aziz, que deverá ser eleito presidente da CPI da Covid, defende que os primeiros convocados a falar na comissão sejam os três ex-ministros da Saúde do governo Jair Bolsonaro: Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), Nelson Teich e Eduardo Pazuello.
“Quem estava à frente eram os ex-ministros. É preciso chamá-los para entender a sequência de fatos”, afirmou Aziz. O provável relator da CPI, Renan Calheiros, também quer chamar primeiro os ex-titulares da Saúde. Depois, quer que prestem depoimentos representantes de fabricantes de vacina.
As oitivas do trio podem servir para municiar uma linha de investigação de membros da oposição e dos independentes. Esse grupo quer, logo nas primeiras semanas, tentar comprovar que o Planalto agiu de maneira deliberada em busca da denominada ”imunidade de rebanho”, na contramão da orientação de especialistas na área.
O grupo de oposição trabalha para que os primeiros requerimentos sejam para convocar três ex-ministros e buscar por material do MPF (Ministério Público Federal) e do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a atuação do governo no combate à pandemia.
A ideia dos parlamentares críticos ao governo é mapear logo no começo as ações do Executivo na aquisição de remédios para tratamento precoce, como a hidroxicloroquina, para verificar quanto de dinheiro público foi usado na compra de medicamentos sem eficácia comprovada.
As prioridades deles nas sessões iniciais da comissão devem ser as convocações do general Eduardo Pazuello, que era responsável pelo Ministério da Saúde, Ernesto Araújo, que chefiava a pasta das Relações Exteriores, e Fernando Azevedo, que comandou a Defesa.
Senadores ainda discutem a convocação do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. A compra de vacinas também está na mira desse começo de trabalho da comissão. O senador Humberto Costa (PT-PE), titular da CPI, é um dos que defendem que Queiroga seja o primeiro convocado.
”Estamos no meio da pandemia. A gravidade da situação permanece. Temos que levar o ministro atual pra ele dizer o que ele vai fazer, o tipo de isolamento social que vai propor”, diz Costa. ”Como esse governo só trabalha sob pressão, a CPI é interessante para pressionar o Executivo”, avalia o senador.
Além de medidas específicas, integrantes da CPI também pretendem investigar discursos e a comunicação direta de gestores com a população a respeito de medidas para combater a pandemia. Não mencionam diretamente o presidente, para evitar reações antecipadas, mas afirmam que será foco falas a respeito de vacinas, isolamento social e medicamentos sem comprovação de eficácia.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania- SE), por exemplo, iniciou um dossiê com discursos de Bolsonaro e chamamento para manifestações. ”A gente sabe que uma política pública de saúde e a comunicação não se dão só pelos meios oficiais. É importante ver o quanto foi investido em propaganda, se elas defendem aquilo que a ciência defende como medidas consolidadas, mas tem que verificar a narrativa e os discursos públicos dos gestores”, diz Vieira. ”A forma como eles se portam tem repercussões, as pessoas levam aquilo em consideração.”
Suplente na CPI, Vieira ainda preparou um plano de trabalho, incluindo depoimentos de vários integrantes do governo Bolsonaro, quebra de sigilos, entre outras coisas. O documento, porém, é informal e tem pouco efeito prático, porque é o relator da comissão —no caso, provavelmente Renan Calheiros— quem apresenta um roteiro dos trabalhos a ser votado em sessão. A partir daí, os requerimentos de convocação, por exemplo, são apreciados seguindo uma pauta preparada pelo presidente da comissão.
Aliado do governo, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) confirmou que vai lançar sua candidatura para a presidência da CPI da Covid, para contrapor o acordo para que o comando da comissão fique com Omar Aziz e a relatoria, com Renan Calheiros. O senador afirmou que será um candidato “independente” e que quer evitar que a comissão se torne em palanque eleitoral.
”Não tenho nenhuma indicação na administração pública —seja ela municipal, estadual ou federal— e reafirmo minha total independência ao governo federal. Irei disputar na intenção de atender aos legítimos anseios da sociedade que espera que a CPI tome rumos justos, amplos e com verdadeira independência, investigando governo federal e o repasse de centenas de bilhões de reais aos estados e municípios”, afirmou, em nota.
”A investigação deve ser conduzida de forma justa e imparcial para não acabar em ‘pizza’. O povo não quer palanque político eleitoral para 2022. Aliás, isso seria uma covardia, um desrespeito com a dor das pessoas. A CPI precisa ser muito técnica, e que possa buscar toda a verdade e não apenas parte dela”, destacou.
*Julia Chaib/Renato Machado/Folhapress