Livro queimando é como estrela apagando-se. Livraria fechando, então, é galáxia implodindo. Salvador perdeu algumas. O Brasil várias. Nem mesmo o modelo “megastore” suportou nossa louca economia. Erros de gestão, fenômeno internet, leitores arredios. Uma pena. O livro é filho do Iluminismo. Documento vivo da repaginação pela qual o mundo passou. Em cinco séculos de existência seduziu cabeças, encantou almas. O modernismo e suas revoluções estéticas e sociais devem tudo a ele, que, agora, tem futuro incerto. O livro digital pode pôr fim à magia de acariciar capas, folhear páginas, sentir sua textura, o cheiro. O cosmólogo Carl Sagan diz que viemos da poeira das estrelas. Homens e livros ocupam o mesmo lugar no universo.
Nem tudo, porém, são nebulosas. É certo que os conteúdos migrem para os “Faróis de Alexandria digitais’, como “Google” e “Amazon”, e sejam alcançados apenas pelos tablets – perda para nossa geração da escrita -, mas o mercado admite que o livro e a livraria, como conhecemos, sobreviva mais alguns anos. Serão menores, aconchegantes pontos de encontros e debates, com atendimento especializado. Tudo que leitor deseja. Procurei, recentemente, o livro “Autobiografia”, de Woody Allen, e a atendente desconhecia o autor. Pediu-me que soletrasse o nome, mas, de tão estupefato, apenas balbuciei, ansioso para esconder-me atrás da máscara do Groucho Marx – que Allen tanto tripudia. Amo o ambiente das livrarias. Silêncio, luz indireta, estantes. Percorrê-las é um prazer.
A vida sem livros, livrarias e sebos não tem sentido. O universo está dentro deles. Pandora do bem. É incompreensível quem ainda os demonize, julgando-os desnecessários, perigosos. Gente má, sem leitura. A nova versão do filme “Fahrenheit 451” está passando na TV paga. E, assim como a primeira, de 1966, é difícil digerir. Os sentidos negam-se a acompanhá-los. Do livro de Ray Bradbury pouco lembro. Embrulhou-me. Queimar livros é hábito de pessoas com parafusos a menos. Setores conservadores, encarniçados em ideologias autoritárias e fanáticas de viés religioso, adoram odiar livros. As cenas de nazistas os queimando são revoltantes. Pior é a repetição do ato por hordas modernas. Ardem nas retinas. Regozijam-se como se queimassem pessoas.
Há lugares, como o Brasil, em que as autoridades propõem a adoção de impostos na venda de livros e liberem os impostos à importação de armas. Pudera, o risco é grande. Os jornais estão apinhados de casos envolvendo pessoas vítimas de livros perdidos na cabeça ou no coração. Tragicômico. E ameaçador. Quem foi atingido por um livro, pede mudança. Progressista. Por bala, não pede nada. O escritor russo Lev Tolstói, autor de “Guerra e Paz” – presente em qualquer lista dos 10 melhores livros da história – notou que as religiões – mais de 10 mil – têm rituais e modos diferentes de comportamento, mas pregam a mesma e única coisa: amor. É um mistério o ódio que destilam contra os livros e as pessoas que os admiram. Santa ignorância!
O livro não faz mal a ninguém. Ao contrário. Educa. Instrui. Conscientiza. Libera. Expande. Nos dá uma razão. Durante a pandemia, serviu de companheiro. Deu paz. Nada é tão reconfortante como um bom livro para ler, um bom livro para ver. Leva-nos a outros mundos, galáxias. A personagens que nos habitam. Se a vida é pouca, não nos basta, o livro vai nos dar outras vidas. Outros desejos. Outras possibilidades. Outros destinos. Aquele que optamos por escrever. Vai nos dar independência. Tudo é uma cadeia interminável de desejos, de possibilidades, de destinos. Se viver é bom. E ler também. Viver para ler ou ler para viver são muito melhores. Gutemberg, inventor da prensa, jamais imaginou que o livro pudesse chegar aonde chegou. Ser o próprio Universo.
*Cláudio Pimentel é jornalista.