À luz do que estabelece a Lei Maior de nosso país, é garantido, a qualquer indivíduo, ser processado e sentenciado por um juiz imparcial. No Estado Democrático de Direito, há o necessário distanciamento entre as autoridades investidas na atividade judicante, e o cidadão comum. Trata-se de garantia constitucional irretocável. Entretanto, a conversão de conceitos, de imparcial à inelegível, em desfavor do magistrado, torna perigoso o casuísmo a que pretendem forçar o Direito Eleitoral (mais uma vez).
Há muito se diz que o juiz se manifesta nos autos, e nele constitui a sua morada. Ou assim deveria ser, em virtude dos comezinhos princípios que os envolve. E por uma razão não somente normativa, disciplinar. Mas por um significado social relevante: a confiança no próprio órgão jurisdicional. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça tem desempenhado papel relevante ao buscar (re)adequar eventuais excessos, julgando e repreendendo os seus pares, impondo os limites legais quando necessário. O atuar verbal do juiz, fora do processo, está sujeito a este crivo.
Mas não se pode confundir, principalmente por terem uma conceituação complexa no âmbito do contexto de normas eleitorais, inelegibilidade com quarentena, e muito menos com imparcialidade. Na Lei Complementar nº 64/90 é difícil acomodar este debate. E, no rol de termos usualmente difíceis, nos mais variados sentidos, ainda há de se ter lúcida a desincompatibilização. É preciso colocar os ”pingos nos is”.
Como dito, é dever da constituição a garantia ao juiz imparcial, distante, portanto, das partes, o que naturalmente impõe a este indivíduo uma discrição protocolar. Lado outro, exigir o total negacionismo de ator político que possui o magistrado, na tentativa de lhe impor prazos desarrazoados de inelegibilidade, em nada parece contribuir para o avanço da democracia brasileira. Obviamente continua-se desejando, por amor às regras básicas de direito, juízes imparciais e que prezem pela justa prestação jurisdicional. Uma coisa não exclui a outra.
Numa visão doutrinária sobre inelegibilidade, nota-se que a sua existência ou perfaz a prática de um determinado ato, e, portanto, é aplicada na forma consequencial (a exemplo da condenação transitada em julgado pela prática de um crime), ou pertence ao indivíduo por opção da própria Constituição: como é o caso do militar em serviço obrigatório. A impossibilidade de se pleitear uma determinada candidatura permanece até que a condição pessoal seja modificada, ou desapareça, ou após determinado prazo com o cumprimento da pena.
O militar, para fins de ilustração, fora do serviço obrigatório, pode ser candidato. Nem sequer o afastamento prévio lhe é exigido (desincompatibilização), como acontece em regra com os demais servidores públicos, nestes enquadrados os magistrados, membros do Ministério Público e autoridades dos Tribunais de Contas. Daí porque injustificado exigir um novo lapso temporal.
Ressalte-se, por oportuno, ser imprescindível, e positivo, o CNJ para o próprio funcionamento do Poder Judiciário, que faz as vezes de moderador para o resgate da imparcialidade quando apropriado. Por outro lado, seria preciso diversificar e muito a genética da inelegibilidade, aliada a alguma outra fonte do Direito Eleitoral, para se admitir, e ser no mínimo aceitável, a ideia de inelegibilidade per si por oito anos a ser aplicada aos magistrados e membros do MP, na modalidade ”quarentena” e travestido de ”lockdown” social.
Escrito por Neomar Filho
Direito Eleitoral
Advogado eleitoralista da NF Assessoria Jurídica, Membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia, Professor de Direito Eleitoral de cursos de graduação e pós-graduação. Foi pesquisador bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, Procurador Municipal e Assessor Parlamentar na Câmara dos Deputados. Atua nas áreas eleitoral, partidário, público-municipal e perante tribunais de contas.