Políticos de oposição a Jair Bolsonaro afirmaram neste domingo (5), nas redes sociais, que a intensa movimentação salarial e as exonerações de fachada ocorridas no gabinete parlamentar do hoje presidente da República apontam para um esquema de “rachadinha”.
O senador Randolfe Rodrigues (AP), líder da Rede, disse que irá pedir investigação sobre o caso.
“Estamos acionando o Ministério Público Federal para investigar esse ‘vaivém’ no gabinete de Bolsonaro: movimentações atípicas de servidores que indicam provável prática de RACHADINHA no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro. Deve responder à justiça e ao país! “, escreveu o senador em suas redes sociais.
A análise dos documentos relativos aos 28 anos em que Jair Bolsonaro foi deputado federal, de 1991 a 2018, mostra uma intensa e incomum rotatividade salarial de seus assessores, atingindo cerca de um terço das mais de cem pessoas que passaram por seu gabinete nesse período (veja aqui).
O modelo de gestão incluiu ainda exonerações de auxiliares que eram recontratados no mesmo dia, prática que visaria a obtenção do recebimento de rescisão contratual indevida e acabou proibida pela Câmara dos Deputados sob o argumento de ser lesiva aos cofres públicos.
Os boletins administrativos da Casa mostram que assessores chegavam a ter os salários dobrados, triplicados, quadruplicados, o que não impedia que pouco tempo depois tivessem as remunerações reduzidas a menos de metade.
Nove assessores de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) que tiveram o sigilo quebrado pela Justiça na investigação sobre “rachadinha” (desvio de dinheiro público por meio da apropriação de parte dos salários de funcionários) na Assembleia Legislativa do Rio foram lotados, antes, no gabinete do pai na Câmara dos Deputados.
Ao menos seis deles estão na lista dos que tiveram intensa movimentação salarial promovida por Bolsonaro quando era deputado federal.
“Vinte e oito anos de falcatruas: reportagem ajuda a desvendar suposto esquema criminoso de Bolsonaro de desvio de dinheiro público e enriquecimento ilícito”, escreveu Fernando Haddad, candidato do PT derrotado por Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018.
“Além de ter ficado marcado por não ter feito praticamente nada para o país em 28 anos como deputado na Câmara, Jair Bolsonaro fez a farra com o dinheiro público em seu gabinete. No período, manteve funcionários fantasmas e quadruplicou salários atipicamente”, escreveu o senador Humberto Costa (PT-PE).
Para o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), um dos principais opositores da família Bolsonaro no Rio, as movimentações suspeitas nos cargos e salários “mostram que as rachadinhas não são um esquema de Flávio, mas da família. Nove assessores do 01 que estão sendo investigados eram lotados no gabinete de Jair na Câmara”.
Filha de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, Nathália Queiroz também passou por oscilações salariais no gabinete de Jair Bolsonaro até ser demitida, em 15 de outubro de 2018, mesmo dia em que seu pai foi exonerado por Flávio. Como mostrou a Folha, ao mesmo tempo que era contratada na Câmara, ela atuava como personal trainer no Rio.
Outro exemplo é o de Walderice Santos da Conceição, a Wal do Açaí. Recordista das movimentações, ela passou por 26 alterações de cargos no gabinete de Jair Bolsonaro de 2003 a 2018. Wal foi flagrada pela Folha exercendo, na verdade, a atividade de vendedora de açaí em Angra dos Reis (RJ), onde Bolsonaro tem uma casa de praia. Após a revelação, o Ministério Público deu início a uma investigação.
Até abril de 2003, as trocas de cargos se davam por meio de exonerações de fachada, em que o auxiliar tinha a demissão publicada e, no mesmo dia, era renomeado para o gabinete, geralmente para outro cargo.
De acordo com o ato da mesa da Câmara 12/2003, a prática tinha como único objetivo forçar o pagamento da rescisão contratual dos assessores, com indenização por férias não raro acumuladas acima do período permitido em lei.
Nos 12 meses anteriores à edição do ato, o gabinete de Bolsonaro registrou 18 exonerações de assessores que foram recontratados no mesmo dia. Após a troca de cargos não resultar mais no pagamento de rescisões, a prática caiu para menos da metade nos 12 meses seguintes, de 18 para 7.
A título de exemplo, no caso de Miro Teixeira (Rede-RJ) a situação se afigurou bastante distinta.
Nos mesmos 28 anos de Bolsonaro, ele promoveu número muito menor de trocas de cargos de funcionários de seu gabinete —107, de acordo com os boletins administrativos, contra ao menos 350 do hoje presidente. A quase totalidade das trocas no gabinete de Miro, que ficou licenciado no ano de 2003, representam ajustes pequenos, não há praticamente nenhuma mudança salarial abrupta.
A Presidência da República não se manifestou sobre as perguntas enviadas pela Folha, assim como vários dos ex-assessores citados. Apenas dois se dispuseram a falar e disseram não se lembrar das mudanças de cargo.
Entre os cerca de 30 ex-funcionários que protagonizaram a montanha-russa funcional no gabinete de Bolsonaro há vários parentes entre si.
Reportagem do jornal O Globo de 2019 mostrou que o clã Bolsonaro contratou, desde os anos 1990, 102 pessoas que têm algum parentesco entre si, em 32 núcleos familiares diferentes. Fruto da mesma apuração, a revista Época relatou naquele mesmo mês que os salários de assessores da família Bolsonaro oscilavam de forma incomum e com frequência.
A Câmara dos Deputados reserva uma cota mensal para os deputados contratarem até 25 assessores, em 50 faixas de cargos, com salários que vão, atualmente, de R$ 1.025,12 a R$ 15.698,32. *Folhapress