A necessidade do isolamento social, sob o decreto de quarentena em vários países, causou modificação forçada em nossa rotina. Para muitos, uma prova de fogo ter que conviver “preso” em suas casas, sem interação e contato social físico. Para pais e mães, o momento de curtirem, apreciarem e até mesmo suportarem seus filhos. Fomos forçados a essas atitudes. Ou se faz isso, ou pioramos a situação, proliferando rapidamente a pandemia e sobrecarregando os hospitais – públicos e privados.
Junto a essa pausa imposta, a natureza, tão negligenciada, também mostra sua cara e nos dá o recado de que ainda podemos salvar nossa casa. Com o confinamento da espécie humana, outras espécies puderam sair e ocupar seus legítimos lugares. Paralelamente, índices de poluição reduziram drasticamente, permitindo uma sobrevida ao planeta. Impossível não se surpreender com algo que era para ser comum, como a transparência dos canais de Veneza (ainda que a qualidade da água não tenha melhorado), ou a aproximação de animais que viviam a se esconder de nossa presença.
Passamos também a ter tempo. Isso nos estranhou, afinal, estávamos acostumados a correr tanto, que apenas sobrevivíamos; acordávamos, trabalhávamos, mal nos alimentávamos e dormíamos poucas horas. Hoje a vida nos obriga a parar e rever tudo isso. É momento de repensarmos nossas atitudes. Será que precisamos consumir tudo o que consumimos? Precisamos trabalhar tanto a ponto de esquecermos nosso lar, priorizando coisas não tão importantes?
Nosso isolamento nos remete também a uma palavra esquecida até então: empatia. Com os abusos do capitalismo, a solidariedade passou a não ter espaço; o ter sobrepôs ao ser. Esquecemos o coletivo. E isso de nada adiantou: ricos e pobres, todos no mesmo barco. A luta pelo social se fez presente, quer queiram ou não. É o momento de acalentarmos que está em pânico e sofrendo com a ansiedade; momento de estendermos as mãos – ainda que virtualmente – a quem mais precisa.
Curiosamente, li um artigo científico tempos atrás que falava do papel do isolamento social justamente na evolução e sobrevivência das espécies. De acordo com estudo de Bailey e Moore (2018), as experiências ambientais dos animais podem afetar a expressão gênica e determinar quais são ativados, quando e quanto, afetando as respostas à seleção natural em termos de sobrevivência e reprodução. Para os pesquisadores, esse isolamento, ainda que temporário, seria favorável para a evolução de algumas espécies. Em tempos de coronavírus, será que podemos esperar uma evolução parecida entre as pessoas? Ainda que de maneira forçada, as pessoas terão que conviver com seus próprios pensamentos e rever suas atitudes e ações tornam-se inevitáveis. Poderíamos ativar novamente genes adormecidos, responsáveis pela solidariedade e empatia, por exemplo?
Nesses dias de reclusão, assisti ao brilhante filme de Emir Kusturika chamado “El Pepe, uma vida suprema”, onde a vida de José Mujica é retratada de forma espetacular, tal como é notório nos filmes desse diretor. E duas frases de Mujica me tocaram exatamente pelos dias que estamos passando: “A LUTA É COLETIVA” e “O SOCIALISMO TRIUNFARÁ”. Pepe Mujica é um ser humano fantástico, e foi exemplar presidente, forjado durante os anos sombrios da ditadura, e que por conta disso hoje é essa pessoa de vida humilde e simples, como ele mesmo disse. Nós aqui, indignados muitas vezes, bravos e até depressivos por termos que passar alguns dias em nossas casas, deveríamos olhar para seu exemplo. Mujica ficou isolado por mais de dez anos, sem nenhum tipo de regalia como temos hoje. Nesse tempo, ele cresceu e amadureceu para ser o que é até hoje: um humanista e preocupado com o povo.
Tomemos seu exemplo como objetivo e reflexão nesses dias. E que essas mudanças forçadas que temos tomado, nos sirvam de exemplo para que voltemos a ser humanos!
*Por Luiz Fernando Padula / Professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências, autor do blog ‘Biólogo Socialista’