”Se o uso da pólvora, do fuzil, dos drones, dos mísseis e da gigantesca imoralidade de se matar e celebrar a morte está autorizado na guerra convencional, qual o problema em se usar a tecnologia que atinge o usuário de rede e a respectiva opinião pública (seguida de resultados eleitorais) para se obter êxito no ‘mercado da soberania’?”, pergunta o colunista Gustavo Conde sobre as possibilidades de resposta do Irã ao atentado de Trum.
Tudo indica que a resposta que o Irã dará aos EUA será no submundo das redes sociais e na indústria da informação sensível. Não há resposta melhor do que implodir qualquer possibilidade de reeleição de Donald Trump.
O Irã tem inteligência, tecnologia, dinheiro e gente altamente qualificada para isso.
Sem jogar uma bomba, dar um tiro ou praticar qualquer ato terrorista como os americanos fizeram, o povo iraniano pode dar um troco inédito ao império (seria o estilo Soleimani, ademais: mais estratégia e menos ignorância).
Troco inédito e pedagógico, diga-se, pois mostraria ao mundo que os processos de manipulação da informação e da opinião pública patrocinados pelos EUA e pelo poder econômico têm novos desafios a encarar, a saber, experimentar do seu próprio veneno.
Heróis, pretensos heróis e agentes românticos do bom-mocismo conceitual espalhados pelo mundo têm profundo pudor em descer ao nível de ‘Steves Bannons’ e ‘Cambridges Analyticas’ para, assim, equilibrarem o jogo pesado do jornalismo de guerra e das campanhas eleitorais de fachada.
Mas a mera lógica que rege a defesa da soberania dos povos há séculos – as Forças Armadas de todo e qualquer país – joga por terra essa visão asséptica do tabuleiro geopolítico.
Se o uso da pólvora, do fuzil, dos drones, dos mísseis e da gigantesca imoralidade de se matar e celebrar a morte está autorizado na guerra convencional, qual o problema em se usar a tecnologia que atinge o usuário de rede e a respectiva opinião pública (seguida de resultados eleitorais) para se obter êxito no ‘mercado da soberania’?
A rigor, é menos sangue e menos imagens cinematográficas de prédios destruídos e pessoas mutiladas (ainda que a ascensão de fascistas via fraudes ciber-eletorais incorram nessas mesmas cenas de destruição, afiançadas depois pelo terrorismo de Estado).
O cenário é complexo, mas, por isso, vamos ficar imóveis?
Lembrando também que usuários com leitura qualificada têm grandes chances de se verem fora da zona de influência dos manipuladores profissionais de rede. Os mais suscetíveis são os intelectualmente “desprivilegiados”, justamente os eleitores de Donald Trump.
A proliferação da idiotice violenta alcançada com algoritmos como nos casos do Brexit, de Trump e de Bolsonaro, teria, então, seu fatal encontro consigo mesma: usuários precarizados cognitivamente podem eleger um mastodonte do ódio, mas podem também “deseleger”.
Esse deve ser o componente novo nessa agressão colossal provocada por Donald Trump.
A guerra convencional não é mais aquele velho jogo articulado entre o poder econômico e jornalismo de aluguel, que nos legou Vietnã, Iraque, Afeganistão e toda devastação da soberania latino-americana. O jogo, agora, é outro.
Alguns chamam de guerra híbrida, outros de neo-imperialismo. Mas o elemento-chave dessa nova geração de conflitos atende pelo nome de ‘internet’.
O assassinato de Soleimani é um imenso acúmulo de energia digital, tanto para o seu algoz, quanto para as vítimas que sofrem com sua perda física.
A perda física, no entanto, transforma-se imediatamente em ganho simbólico (e o ganho físico nem sempre se traduz em logro significante).
Se quiser, o Irã pode devastar a zona de conforto cibernético que mantém os EUA em razoável tranquilidade, ainda que Trump seja fruto de sabotagem doméstica.
O comentário mais comum desde o atentado americano em Bagdá é o de que o Irã não vai reagir de imediato – e que a reação tampouco será nos moldes do terrorismo dos anos 2000 ou da retaliação rudimentar puramente bélica.
Soleimani, ao que parece, combatia o terrorismo. Talvez, essa seja a chave para se compreender melhor sua eliminação por Trump: o general iraniano lhe tomava espaço e começava a ocupar o protagonismo político entre a nova geração na região da Ásia Ocidental.
Ameaça gigantesca aos segmentos ultraconservadores de Israel e a sua eterna pretensão hegemônica, alimentada com cifras delicadas e ambíguas de ocidentalismo regado a ares de modernidade.
A reação do Irã, portanto, deve ser na linha dos bastidores, no mercado da contrainformação e na operação agressiva na estrutura de redes sociais mobilizadas pelo trumpismo. Seria a mais óbvia e mais inteligente reação.
Isso resvalaria na mixórdia política e social em que se transformou o Brasil. Se o Irã derrotar Trump naquilo que lhe é mais sagrado (a reeleição), Bolsonaro volta a ser o pano imundo de limpar chão que sempre foi em questão de segundos.
Já que nenhum segmento progressista do mundo se dispõe a sujar as mãos na podridão que é o gerenciamento político-eleitoral de redes, talvez o Irã faça isso por todos nós.
Seria menos criminoso que um assassinato ou que um atentado terrorista.