De uns tempos pra cá, o brasileiro se habituou a assistir a operações marcadas por nomes de impacto e fortes aparatos policial e, sobretudo, midiático. Tem sido assim em cada etapa da Lava Jato. E o modus operandi foi seguido na Operação Carne Fraca, que desarticulou uma rede de corrupção envolvendo fiscais agropecuários e duas das maiores processadoras de alimentos do mundo – a JBS (dona das marcas Friboi e Seara) e a BR Foods, resultado da fusão da Perdigão com a Sadia.
As investigações foram iniciadas em 2015, no Paraná, após denúncia de um fiscal que não quis entrar no esquema. Ao deflagrar a operação, classificada como a maior da história, a Polícia Federal divulgou que são 21 frigoríficos em investigação. O que são duas dezenas de pontos de abate e armazenamento num universo de quase cinco mil unidades? Por que divulgar áudios de conversas que permitem várias interpretações antes de apurá-los corretamente?
Hoje, o mundo inteiro acredita que vendemos carne podre, cheia de substâncias cancerígenas e recheadas com papelão. E nós sabemos que isso não é regra. Se o competente trabalho de investigação da PF descobriu indícios de irregularidades sanitárias em 0,4% dos frigoríficos do país, deveria seguir o protocolo, interditá-los, aplicar as multas cabíveis e exigir a adequação imediata. Mas a PF preferiu o show. Um espetáculo de desinformação que vai derrubar a produção, abalar nossa economia, gerar desemprego e manter essa atmosfera de crise que afasta os investidores do nosso país.
Mais de 30 países já anunciaram embargos à carne brasileira. Os 28 integrantes da União Europeia, Japão, China, México, Chile, Egito, Suíça, África do Sul e Hong Kong já comunicaram as autoridades brasileiras que vão suspender temporariamente as importações das proteínas.
A China é o maior comprador de carne bovina brasileira. Segundo dados do Ministério de Indústria e Comércio Exterior (MDIC), os chineses compraram 859,5 milhões de dólares em carne de frango congelada do Brasil, no ano passado, e 702,7 milhões de carne bovina fresca, congelada e refrigerada. As exportações ao país asiático foram importantes para o aumento das vendas externas do produto, que renderam 13,8 bilhões de dólares aos produtores brasileiros, o equivalente a 7% de tudo que vendemos para o exterior em 2016. Impulsionada pelo agronegócio, nossa balança comercial fechou o ano com superávit de 47,69 bilhões de dólares, o maior já registrado na série histórica iniciada em 1980.
Com os embargos declarados, os prejuízos em um setor que movimenta cerca de R$ 180 bilhões e gera mais de sete milhões de empregos ainda não podem ser calculados. Entretanto, dados divulgados pelo Ministério da Agricultura apontam prejuízo diário de 63 milhões de dólares.
Além de gerar demissões, a queda nas exportações e no consumo interno de carne vão penalizar pequenos produtores e toda a cadeia produtiva de carne, formada ainda por empresas de nutrição animal (fabricantes de rações, vitaminas e outras substâncias), farmacêutica veterinária etc. Responsáveis por 59% da carne suína e 50% da carne de aves produzida no Brasil, os agricultores familiares vão vender menos e por preços menores.
Excessos e condutas parciais da PF e da Justiça Federal, instituições transformadas em arenas de egos, têm custado caro à economia brasileira. A Lava Jato, por exemplo, já causou prejuízo de mais de R$ 140 bilhões ao país, com empreiteiras impedidas de assinar contratos, sendo obrigadas a demitir. Resultado? Escalada do desemprego e a desaceleração do desenvolvimento.
Novo obstáculo para o reequilíbrio econômico, a crise da carne brasileira acontece na sequência de dois fatos sem ligação aparente, mas que nos fazem pensar. Primeiro, o juiz Sérgio Moro, responsável pela condução da Lava Jato em primeira instância, é treinado por autoridades norte-americanas. Em seguida, um acordo entre Brasil e Estados Unidos permite a importação de carne daquele país – os primeiros contêineres estão chegando ao Brasil este mês. E agora esse escândalo sanitário, que compromete nossa credibilidade, abre caminho à concorrência e pode interromper nossa ascensão ao posto de maior produtor de carne do mundo. Mero acaso?
Outra coincidência: o episódio surge em meio ao debate nacional sobre as reformas da previdência e trabalhista, após mais de um milhão de pessoas terem ido às ruas para manifestar descontentamento com o governo Michel Temer e protestar contra as medidas que vão decretar o fim da aposentadoria e precarizar as relações de trabalho.
As coincidências nos fazem refletir sobre a maior operação da história e o desserviço prestado à economia e ao consumidor brasileiro. Mais uma vez, Temer errou. Em vez de fazer festa com embaixadores em uma das churrascarias mais caras de Brasília, deveria ter se concentrado na preparação de relatórios que provassem aos importadores que somos um país sério.
*Por Ana Perugini