Hoje vou falar de um dos assuntos mais difíceis para os pais: limites. Quando a criança nasce estamos cheios de expectativas e amor, queremos que ela seja feliz e que nada a incomode. Não é à toa que logo que eles começam a ter um pouquinho de autonomia já estão donos do mundo e de nós!
Se você é mãe ou pai sabe bem do que estou falando, mas, se não é, com certeza já passou e viu situações pelas quais você promete que não irá passar de jeito nenhum. Antes de termos filhos, são muitas as teorias do que não fazer. Mas, quando ele chega aos nossos braços, vemos que tudo o que imaginamos sumiu como num passe de mágica.
No início, ele é totalmente dependente. Vamos tentando decifrar seus choros e suas carinhas. Depois, começam a dar ordens, mesmo sem falar ainda, apenas com gestos… e nos vemos fazendo tudo sem pestanejar. Mas como fazer para não dar aquele colo, o brinquedo que ele (ou ela) se encantou ou mesmo não ficar dando voltas pela casa com a criança no colo apontando para onde devemos ir? Eles estão no colo, mas, na verdade, os pais é que ficam nas mãos deles. Diga se não é a mais pura verdade?
A passagem da “criança pode tudo para a criança não pode muitas coisas” é bastante complicada para os pais. Agora, imagina para a criança? Ela é um ser que, até então, teve quase todos seus desejos garantidos. Quero mamar, quero colo, não quero fralda suja, quero ficar em pé, sentado… Mas, quando a criança passa para comportamentos mais complexos, onde os limites devem ficar claros, os pais devem ser realmente firmes no que propõem.
No consultório, é normal recebermos famílias que não sabem o que fazer diante de uma birra ou de situações mais complexas. Principalmente, quando a criança já está em idade mais avançada e os pais continuam a não saber lidar com os limites a dar. É importante saber se a criança ouve não dos adultos mais próximos. E se lhe é dito o não, como isso é feito, como a criança o recebe e o que os pais fazem diante da sua resposta.
Os pais devem entender que a criança precisa de limites
As crianças devem ser orientadas para todos os perigos que estão a sua volta, os quais elas não têm a menor noção de que existem. Os pais chegam a cansar de tanto dizer não aos pequenos. E, se você prestar atenção, boa parte das crianças passa pela fase de dizer não a tudo! Claro, sem dúvida, essa é a palavra mais ouvida por elas.
Poderia dar várias dicas com relação aos nãos, como, por exemplo, tentar falar frases na afirmativa ao invés de na forma negativa. Exemplo: “Não pule desse banco!”. Em vez disso, dizer: “Se você pular desse banco pode se machucar e vai doer”. Esta é uma dica muito boa e você pode tentar incrementar no dia a dia. Como sou mãe, sei que o “não pule” também vai rolar, mas tente.
Os pais devem entender que a criança precisa de limites para se constituir como sujeito. O primeiro contato maior com limite que a criança tem é quando ela percebe que a mãe sai e depois volta. Freud vai falar sobre o jogo do fort-da, situação em que ele, observando o neto, notou que, na ausência da mãe, o menino não chorou. E que passou a brincar, jogando um carretel, preso a um fio, de dentro do berço para fora. O carretel desaparecia e voltava. Repetia o movimento por muitas vezes. Quando jogava para fora, articulava um som: “Ó..ó..ó”, e, quando puxava o fio de volta, dizia: “Dá…dá…dá”, com expressão de alegria. Freud intitulou esta brincadeira como fort – palavra alemã que significa “fora”, “ir embora” e dá que significa “aqui”, e percebeu que dessa maneira, o neto simbolizava a mãe por meio do brinquedo, expressando sua saída (fort) e a felicidade de seu retorno (dá).
Assim como esse limite da separação, que ajuda a criança a se descobrir como um ser, vários são os limites necessários a uma criança, ao longo do seu desenvolvimento psíquico. Os pais devem pensar que, logo, seu filho crescerá e terá que lidar com muitas situações complexas que envolvam perdas, fracassos. Para suportar as contingências da vida, a criança deve ter seu emocional estruturado. Mostrar amor, cuidado e limite é necessário para a saúde psíquica do seu pequeno.
O primeiro passo é manter a calma
para poder passar segurança
A partir dos seis meses, eles já começam a dizer ao mundo que estão aqui para valer, já interagem e sabem com quem o chorinho adianta e com quem não terá êxito. A chegada aos dois anos é traumática para alguns pais. Alguns a descrevem como “a terrível crise dos dois anos”. Bem, não quero aqui assustar ninguém, pois, apesar de realmente acontecer com grande parte das crianças, ela passa!
Dos dois aos quatro anos, é o momento em que a criança irá testar toda a paciência dos pais. Acredite e fique firme! Na verdade, ela está experimentando o mundo. Nessa hora, você se pergunta o que está fazendo de errado, o que está acontecendo com toda a educação que você pensou que estava dando e tem até quem ache que precisa levar a criança à igreja ou ao templo. Mas tenha calma, com o tempo você vai notar que ele (ou ela) não é o único que tem tido essas crises de birra e que tudo vai depender de como você lidará com elas.
Você, mais do que ninguém, conhece seu filho. Sabe o que o incomoda e o que ele faz que lhe estressa. Tenha isso bem claro na sua mente, porque ele também já sabe.
Se ele fez aquela agitação no shopping porque você não deu aquele brinquedo que queria, o que fazer? Primeiro passo é manter a calma para poder passar segurança para ele. Depois, você deve, com firmeza no tom de voz e na altura dele, explicar que atitudes como essa não irão mudar nada da sua decisão. Não fale muito nesta hora, ele não vai entender todo o discurso que está na sua mente. Frases curtas e simples, sempre!
Ao perceber que a criança está prestando atenção, segure-a no colo e explique o porquê da negativa. Se ela não se acalmar, mesmo assim, leve para um lugar onde tenha menos gente para que isso vá acontecendo no tempo dela.
Ah, veja bem, outro ponto importante: não adianta ficar você e a criança gritando. Assim, você perde a autoridade e passa a estar na mesma posição dela. Eu sei que não é fácil, pois algumas crianças podem realmente tirar os pais do sério.
Nunca prometa o que não tenha
certeza de que irá cumprir
É importante lembrar que a birra ocorre porque seu filho não tem maturidade emocional suficiente para lidar com uma frustração. O choro incontrolável, aquela movimentação intensa que você não consegue conter e os gritos fortes são a forma que o psíquico arranjou para lidar com a perda, o fracasso sentido por ele naquele momento.
Após fazer toda cena, ele vai se acalmar e vai ver o que restou da ação. Qual foi a consequência? Se você é daqueles que dá um doce ou dá o presente que ele queria para calar, aquietar a situação, cuidado! Porque as crianças testarão o limite dos pais para descobrir até onde podem chegar. Se a criança entender que assim consegue o que quer, certamente fará cenas cada vez maiores. E as cenas se estenderão para outras relações e o não ficará insuportável de ser ouvido.
Outra dica imprescindível: nunca faça uma promessa que não tenha certeza de que irá cumprir. A criança precisa estabelecer vínculos de confiança com você para poder fazê-lo com o mundo. Então, se você for colocá-lo de castigo pelo que fez, não perca a medida. Poucas crianças dessa idade têm noção de tempo como você. Então, certifique-se de que ele esteja entendendo o castigo. E, também, não adianta dizer que a criança vai ficar dois dias sem ver desenho e, na noite do mesmo dia, recuar e deixá-la assistir. Assim, o castigo perde o sentido e sua palavra se torna frágil.
Não existe uma fórmula infalível. Mas sempre haja de maneira preventiva, Se a criança está com fome e sono não tem como não ficar irritada. Essas sensações podem facilmente gerar uma birra. Por isso, manter uma rotina de sono e alimentação ajuda a evitar a cena. Agora, se seu filho já passou dos seis anos e esses comportamentos continuam se perpetuando, está na hora de você procurar ajuda de um psicólogo para observar melhor o que está ocorrendo.
Lembre-se sempre que criança precisa de rotina. Ela dá segurança e transmite afeto para os pequenos. Isso vale para a rotina diária: eles devem saber o horário de tomar banho, escovar os dentes, ir para a escola, jantar, dormir. Para isso acontecer, a família toda precisa se organizar.
O mais importante é escutar seu filho e se escutar também. Observe se ele realmente está exagerando, se está pedindo algo que já tem, ou se está apenas necessitando descansar, com sono ou fome. Muitas vezes, eles precisam, apenas, de um lugar mais tranquilo para dormir ou se alimentar.
Por: Priscila Almeida, psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito.