Sim ou não?

PriAlmeida

Como é para você ouvir ou falar NÃO? A grande maioria das pessoas tem questões com essa palavrinha mágica. Palavra pequena, mas que desperta tantas intenções e sensações em nossas vidas. Algumas pessoas não sabem falar não, outras não sabem ouvi-la.

Na verdade, nosso primeiro contato com o mundo parte de um não. Ao nascermos, somos retirados de um local onde tínhamos tudo. O ventre da mãe é um lugar aconchegante, onde nossas necessidades básicas estavam todas garantidas. Ao sairmos, somos separados por um corte real no corpo e logo depois, temos que tentar de tudo um pouco para resolver um problema que antes não tínhamos.

O nascimento é nosso primeiro não, e ainda tem aquele peito danado que teima em sair de perto toda hora. É, nascemos seres faltantes e, assim, continuamos pela vida, sempre em busca do sim perdido com o nascimento.

Lidar com a temida palavra não, é lidar com nossas perdas, com nossas angústias, com aquilo que não entendemos direito o que é, mas que não está ali onde gostaríamos.  Todos sempre queremos mais, nunca estamos totalmente satisfeitos com o que temos ou somos. E não é à toa que convivemos, cada vez mais, com a cultura da felicidade nas redes sociais e com o consumismo exacerbado proposto pelo capitalismo.

As redes sociais estão cheias de pessoas superfelizes, com vidas deslumbrantes que lhes rendem muitos likes. Ou seja, ser feliz é garantia de reconhecimento do público, quem quer ver tristeza? Entendo, mas precisamos separar a realidade da ficção. Consumir a ideia do ser feliz tem muitas variáveis que devem ser levadas em consideração. O ser feliz é hoje o objeto de desejo mais falado e menos palpável também. Pois o que é ser feliz? Vende-se felicidade como se fosse possível viver sempre com um belo sorriso no rosto, sem tristezas, sem mau humor, sem raiva…. Enfim, ser feliz hoje é só ter sim na vida!

Assim, como pode o “não” sobreviver? Temos agora, uma geração que não sabe o que é não, apesar de ele estar presente em seu âmago. Ouvir e falar um não ganha repercussões emocionais enormes. Os consultórios estão cheios de pessoas com dificuldade em lidar com os nãos da vida, porque chega uma hora que aquilo que não foi trabalhado, fortalecido, amadurecido não é possível de ser suportado.

É crescente o número de crianças e adolescentes que nunca receberam um não em casa, mas elas terão que lidar com ele na escola, na relação com os colegas. O adulto tem que lidar com isso diariamente no trabalho, nos relacionamentos… Por isso, é difícil manter-se num relacionamento duradouro, no trabalho em equipe.

 

Que o ‘não’ possa ser ouvido e falado…

 

Outro dia, vi uma entrevista, na qual a pessoa falava que não entendia o vazio dentro dela. Falou que se achava bem-sucedida na vida, tinha um marido lindo que a amava e fazia todas as suas vontades, tinha o trabalho que sempre quis, podia comprar o que quisesse, mas, ao entrar em casa, sentia uma profunda tristeza. Então, achou que o problema era a casa. Trocou de casa, fez uma enorme reforma na casa nova, mas continuava sentindo que algo faltava. Aí, entendeu que o problema era com o marido e se separou. Disse: “Eu pensei: acho que faço mais as coisas que ele gosta do que as que eu gosto”.  Após a separação, entrou numa compulsão por compras, saía todos dias para festas, começou a beber demais… até o momento da entrevista ela não entendia porque o vazio continuava ali.

Resolvi contar este caso, porque ele representa bem a nossa sociedade hoje. As pessoas não procuram o problema em si próprio, mas sempre no outro. E não existe o não nesta história, você percebeu? Só existe sim, não há limite.

Pouco tempo temos hoje para nos ouvir e perceber nossas facilidades e dificuldades. A correria do cotidiano, a cultura do tudo terei e a liquidez da era smartphone – o mundo ao seu alcance não deixa tempo, nem espaço para perceber furos, hiatos. Mas não tem jeito, uma hora ele aparece e você tem que lidar com a situação.

O convívio desde pequeno com limites ajuda muito nesse caminho de enfrentamento aos nãos da vida. Com o cansaço pelo dia de trabalho, ou mesmo pela dificuldade dos pais em ver seu filho sofrendo ou chorando, ou pela própria dificuldade em lidar com o não, sem falar na cultura a felicidade em que vivemos hoje, o não tem sido deixado de lado.

Eu me manifesto a favor do não! Que o não possa ser ouvido e falado, sendo percebidos seus efeitos em nossas vidas. Que possamos viver a vida com seus altos e baixos, pois sorrir e chorar nos tornam humanos, flexíveis, vivos.

*Priscila Almeida é psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito.