Uso de máscara contra o ”Coronavírus” é tido como decisão pessoal em algumas igrejas

Quando os ventos são contrários, o melhor é se resguardar, sem confrontar o furacão, ensina a bíblia, para quem crê nela. Quem briga com a natureza perde. Não se arrisque sob o pretexto da fé. Isso não é fé – e aparece no quarto capítulo do livro sagrado. Em alguns templos religiosos, no entanto, o negócio é afrontar a ventania, à espera da proteção espiritual. Na pandemia, esse vento é o coronavírus, e qualquer escudo contra ele é divino.

Dentro das igrejas, usar máscara pode ser ”questão de foro íntimo” e, dispensar medidas de segurança, idem. Há quem veja, por exemplo, o coronavírus como castigo divino, contra o qual não há remédio, exceto orar. O Código Penal trata como crime contra a saúde pública descumprimento de medida sanitária, como aquelas para conter o avanço do coronavirus ou expor algo a risco direto ou iminente.

O pastor Eliel Marins, 62 anos, lideranças de duas igrejas batistas em Salvador, uma no bairro de Dom Avelar e outra em Amaralina, costuma chamar – em gravações para as redes sociais, por exemplo – os fiéis de ”os imunizados pelo sangue de Jesus”. ”Na igreja, quem quiser, usa máscara”, conta o líder religioso. Ele próprio, no entanto, não usa, só quando o obrigam. ‘Fomos feitos para respirar oxigênio”, justifica.

Nas últimas semanas, a Bahia vive um colapso no sistema de saúde. Enquanto isso, parte das lideranças religiosas vão em outra direção. Os eventos religiosos estão permitidos no estado, com 30% da lotação permitida, e podem servir de palco para replicação de comportamentos indesejados durante a pandemia, como o não uso de proteção individual.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, que fiscaliza o cumprimento das restrições em Salvador,  não  autuou nenhum templo religioso. Isso não significa que não tenham ocorrido irregularidades, pois as fiscalizações ocorrem  espontaneamente ou motivadas por denúncias.

Seja no templo batista da Rua Visconde de Itaborahy, em Amaralina, onde há 662 casos confirmados de covid-19, ou da Rua das Mercedárias, em Dom Avelar, com 555, mal se vê rostos mascarados. Os cultos  respeitam o toque de recolher vigente, conta o pastor Eliel.

”Se Jesus estivesse [aqui], qual seria a ordem? Jesus [nos] deu autoridade para curar enfermos”, defende elel, que acredita em “terror” criado sobre o vírus. Nenhum fiel de nenhuma das duas igrejas morreu vítima de Covid-19, acrescenta. Na Bahia, já morreram mais de 14 mil pessoas.

A Ordem dos Ministros Evangélicos no Brasil e Exterior e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil responderam que cada igreja tem liberdade para adotar suas medidas de seguranças, obedecendo às determinações sanitárias.

Na Bahia, 65,3% da população é católica, 17,4% evangélica e 12% não segue nenhuma religião – o restante  adota religiões de matrizes afro-brasileiras, espíritas e orientais. Não existe central de denúncias relacionadas especificamente às ações de lideranças religiosas, no que diz respeito à pandemia. Os templos religiosos ficaram fechados duas vezes, desde o início da pandemia – em março até julho e por uma semana em fevereiro. A abertura e fechamento de igrejas e outros espações religiosos é questionada em todo o país.

Em São Paulo, depois da pressão de igrejas, que apresentam cada vez mais expressividade na política, o estado voltou a permitir cultos, missas e outras celebrações. Imerso no caos, as liturgias voltaram a ser proibidas. Na última semana, os templos religiosos passaram a ser considerados ”essenciais”.

A discussão em torno do tema acontece, do ponto de vista epidemiológico, explica o epidemiologista e professor da Universidade Federal da Bahia, Eduardo Netto, porque esses locais apresentam, como qualquer outro que reúna aglomerações, riscos maiores de contaminação. A exposição pode ser ainda maior pelos ritos litúrgicos, como abraços, apertos de mão e o cantar. Nas igrejas católicas, a distribuição das hóstias continuam. Agora, são distribuídas nas mãos, não mais na boca dos fiéis. *Com informações do Correio