Delegado que investiga tortura a trabalhadores alega que não há elementos para prisão de patrões

Caso ocorreu pelo suposto furto de R$ 30. Foto: Reprodução

O delegado que investiga o crime de tortura contra dois trabalhadores em Salvador, afirmou que ainda não há elementos para pedir a prisão dos patrões das vítimas. Os jovens foram agredidos a pauladas e um deles teve a mão queimada, como ”punição” pelo suposto furto de R$ 30 da empresa – valor que as vítimas negam que tenham pegado.

Os dois agressores, Alexandre e Diógenes Carvalho, serão ouvidos novamente nesta quarta-feira (31). Em depoimento anterior, um deles afirmou que fez “justiça com as próprias mãos”. A reportagem não conseguiu contato da defesa dos investigados.

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou ao g1 que aguarda a conclusão do inquérito, para oferecer denúncia à Justiça. Já o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu o próprio inquérito para investigar os empresários.

De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a tortura é um crime hediondo e inafiançável, ou seja: não cabe indulto ou liberdade provisória. Para o delegado Willian Achan, não há dúvidas de que houve a prática da tortura contra os jovens.

”Eles ficaram algum tempo trancafiados, sofreram agressões e outros tipos de situações mais graves, com queimaduras, mordaças, teve mãos e pés amarrados. Então, isso foi uma crueldade bem acintosa e que justifica a aplicação da Lei da Tortura”, detalhou o delegado.

O crime foi cometido no dia 19 de agosto, mas a história só foi denunciada à polícia no dia 26, porque as vítimas foram ameaçadas pelos homens para não prestar queixa, e ficaram com medo. Além das agressões, os investigados filmaram a situação e expuseram na internet.

Uma das vítimas, Marcos Eduardo Serra, foi a primeira a procurar a delegacia. Ele trabalhava no local há cerca de um ano, até as agressões serem praticadas. Nas imagens, Marcos aparece sentado, recebendo pauladas nas mãos.

”Foi traumatizante. Tanto que eu não durmo direito, me assusto de madrugada, porque ele me ameaçou. Ele ameaçou pegar a gente. Falou que ia chamar os homens da boca [traficantes] que ele mora para pegar a gente. Ameaçou de morte”, relatou o jovem.

A intimidação e ameaça foi uma prática semelhante ao crime praticado contra Bruno e Yan Barros – tio e sobrinho mortos após furto de carne em um supermercado de Salvador: o tribunal do crime. Na ocasião, em abril de 2021, as vítimas foram entregues a traficantes que se organizavam como grupo de extermínio.

Outra vítima da tortura foi o William de Jesus. Além de agredido, ele também teve as mãos queimadas com um ferro de passar roupas. Os agressores escreveram o número 171 na vítima, em referência ao crime de estelionato.

”Já ia fazer dois meses eu trabalhando na loja. Ele me acusou de roubo sem prova nenhuma, entendeu? No momento em que ele estava me batendo, ele estava gravando para que eu confessasse. Eu falei: ‘rapaz, eu não vou confessar nada não, porque eu não roubei nada”, contou William.

Afronta aos Direitos Humanos

Para o presidente do núcleo Bahia do grupo Tortura Nunca Mais, Joviniano Neto, o caso é uma barbárie e afronta aos princípios dos Direitos Humanos e da dignidade humana.

”Existe, na sociedade brasileira, uma ideia de que o modo de enfrentar os crimes – ou a suspeitas de crime – é o uso da violência, é o uso da intimidação. A mais feroz possível. E, ao contrário [do que se pensa], a violência só faz aumentar a violência”.

”Quando os patrões divulgaram o ato criminoso, eles tinham confiança e crença de que tinham direito. O mesmo direito que os senhores de escravos tinham antigamente, no período colonial, de supliciar os seus subordinados, os seus escravos”. As informações são do G1