Cidades trocam vacinas contra Covid para não perder validade; há até sorteio de motos por vacinação

O cenário da vacinação contra a Covid-19 tem mudado em várias cidades e, se antes havia espera para receber o imunizante, atualmente sobram vacinas. Com a nova realidade, há municípios encaminhando doses para outros para evitar a perda de validade.

Há ainda prefeituras que passaram a fazer campanhas para aumentar a adesão da população à vacinação, até com sorteio de motos e smartphones para quem tomar sua dose.

Charles Cezar Tocantins de Souza, vice-presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e secretário municipal de Saúde de Tucuruí (PA), disse que o município precisou enviar 13 mil doses de Pfizer para Parauapebas (PA), para as vacinas não perderem a validade.

A decisão foi tomada porque a vacina tem sobrado, mesmo podendo ser aplicada em adolescentes e também como dose de reforço. A cidade não tem condições de armazenar por muito tempo o imunizante em altas temperaturas.

A vacina deve ser mantida a uma temperatura entre -90°C e -60°C. Entretanto, ela pode ser transportada por duas semanas entre -25°C a -15°C. Mas, ao ser retirada do congelador, pode ser armazenada por até cinco dias em temperaturas entre 2°C e 8°C.

”Os municípios do Pará estão fazendo isso para evitar a perda, isso foi pactuado com a secretaria estadual de Saúde. Muitas pessoas estão resistindo porque acham que a Covid está vencida por conta da redução de mortes e internações”, pontuou.

Ele explicou que no Pará está ocorrendo até sorteio de moto e smartphone para que as pessoas possam aderir à campanha de vacinação. Para ele, falta uma campanha nacional mais efetiva para mobilizar a população.

O Ministério da Saúde foi procurado pela reportagem para comentar a situação, mas não respondeu. Essa dinâmica de troca de vacinas entre municípios, na avaliação do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), faz parte da rotina de uma campanha de vacinação e não há orientações impeditivas ao remanejo.

A preocupação dos gestores de saúde com os estoques foi levada para reunião da Comissão Intergestores Tripartite. Nela, um dos pedidos foi que o envio dos imunizantes pelo governo seja feito de acordo com a demanda dos estados e municípios.

”Não é o momento mais de fazer a distribuição de acordo com o tamanho da população. No início estava faltando vacina e tudo que chegava era aplicado, mas a realidade atual é outra”, disse Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems.

”Os municípios não possuem capacidade de armazenamento, cerca de 70% têm menos de 20 mil habitantes e têm apenas uma geladeira”, acrescentou.

A chance de receber de volta vacinas da Covid-19 distribuídas preocupa membros do Ministério da Saúde, pois parte desses lotes pode vencer. O TCU (Tribunal de Contas da União) já abriu inclusive apuração sobre os estoques vencidos do Ministério da Saúde.

Como a Folha revelou, o Ministério da Saúde deixou vencer a validade de estoques de medicamentos, vacinas, testes de diagnóstico e outros itens que, ao todo, são avaliados em mais de R$ 240 milhões.

Isso tem ocorrido com vacinas da Pfizer e com o estoque da Coronavac em algumas cidades. Como essa última não é usada como dose de reforço nem pode ser usada em adolescentes, começou a ficar sem função.

Além disso, muitos adultos que podem tomar esse imunizante não foram receber a segunda dose, além daqueles que optaram por não se vacinar.

Segundo o Conass, o fato de os adultos acima de 18 anos estarem procurando as unidades de saúde em um ritmo mais lento, principalmente para a segunda dose, pode gerar aumento da Coronavac nos estoques.

”A Coronavac ainda não foi liberada para adolescentes pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ministério da Saúde recomenda que a dose de reforço dos idosos seja feita, preferencialmente, com imunizantes de mRNA, como a Pfizer”, disse em nota.

O país já tem 75,2% da população com a primeira dose e 56,1% com esquema vacinal completo contra o coronavírus. Considerando somente a população adulta, os valores são, respectivamente, de 98,9% e 73,8%.

Paulo Ziulkoski, presidente da CNM (Confederação Nacional de Municípios), disse que a realidade do estoque de vacinas é diversa nos municípios brasileiros. Pesquisa de outubro mostrou que 25% estavam com falta de imunizantes, já em 70% havia vacinas.

”Desse quantitativo em 1,5% das cidades estavam chegando mais vacinas que o necessário. Isso ocorre porque o município aplicou a primeira dose, mas a pessoa não vai tomar a segunda dose e fica sobrando. Além disso, ele recebe mais doses na semana seguinte e acaba ficando com excesso. Os municípios estão procurando viabilizar a vacinação fazendo a busca ativa, por exemplo”’, afirmou.

Raquel Lopes e Mateus Vargas, Folhapress